Dona Margot era a maior cafetina da região e fizera fortuna com suas boates. De cama há três meses, já sem nenhuma consciência dos seus atos, Dona Margot se alimentava com ajuda da enfermeira contratada pela família. Solteira e sem filhos, só restavam os sobrinhos. Naquele dia, o médico já anunciava as poucas horas de vida da senhora.
O tempo passava e a dúvida não calava: como seria o testamento lavrado por tia Margot?
– E nada da velha morrer, hein, Juvenal?
– Eu bem que agradei até o fim… por mais insuportável que tenha sido pra mim, Lena… principalmente a companhia dela.
Do outro lado da sala, os outros sobrinhos Regina, Joaquim e Manoel elucubravam quando seria a data do óbito.
– Nem pra morrer logo, quero ir esquiar em Aspen, tomar champanhe nas montanhas e essa filha da puta continua sentada em cima da grana.
– A gente nem sabe pra quem ela vai deixar o dinheiro, Joaquim, calma aí.
– Bobagem, Regina, ela não sabe que a gente não gosta dela. Todos fingiram bem.
– Nem tão bem… lembra do dia que você falou que ela era megera?
– Naquela altura ela já estava esclerosada, entrou por um ouvido e saiu pelo outro.
O médico se apresentou no ambiente:
– Péssimas notícias, senhores. Dona Margot…
Os sobrinhos se entreolharam e os sorrisos se escancararam.
– Vou abrir o champanhe – exclamou Joaquim.
– E eu já vou pegar esse tapete persa pra mim – disse Lena, radiante.
Nenhum deles sequer foi ver a tia. Ligaram o som e passaram a comemorar como se fosse noite de réveillon.
Poucos minutos se passaram e o barulho da bengala de Margot foi ouvido batendo na parede. Viva? Todos se surpreenderam!
– Titia… pensamos que a senhora… digo… o médico – Regina não conseguiu terminar a frase.
– Ah, o médico. Doutor Roger é meu amigo há anos. Fez um favorzinho. Me ajudou com essa pequena farsa pra confirmar o que eu já sabia: que vocês são uma corja de filhos da puta sem vergonha.
– Titia…
– Titia é o cacete. Vá à merda. Vão à merda. Todos vocês. Não merecem uma porra de centavo do meu dinheiro. Saiam todos daqui.
…
Dona Margot amanheceu morta… dessa vez, de verdade.
– Será que deu tempo de mudar o testamento? – conjecturavam os sobrinhos.
O advogado chegou.
– O testamento foi confeccionado há um ano – anunciou.
– Então não deu tempo de mudar – o sobrinho Juvenal abriu um largo sorriso.
Após ler as notas introdutórias e a relação de bens da falecida, o causídico passou à última vontade de Margot:
“Noites de orgia. Maratonas de sexo. Bebedeiras homéricas. Não existiu cafetina mais feliz que eu, garanto. Já minhas putas… ora, minhas putas são tristes. O pensamento de que ‘o sexo é o consolo que a gente tem quando o amor não nos alcança’ traduz exatamente o que vi nesses anos todos. Tive fortuna, bens, realizei minhas fantasias… mas faltou-me um amor, assim como para minhas putas tristes. Putas dignas, diga-se de passagem. Ao contrário dos meus cinco sobrinhos. As putas fingem te amar num jogo de sedução essencial para que o cliente se sinta o melhor e com o maior pau do mundo. O preço é combinado antes. Justa e sincera troca. Meus sobrinhos, de outro lado, são putas traiçoeiras, que fingem amar sem nada em troca, quando na verdade sugam tudo que está pela frente. As putas tristes, normalmente em busca de um amor que as tire da zona, trabalham com afinco, olham nos olhos na hora do êxtase e fingem gozar simplesmente para levantar a estima do cliente. Os ingratos sobrinhos, além de não me olharem nos olhos, devem trepar de meia, acham que têm amor, mas nunca chegarão nem perto de ter o tamanho do coração das minhas putas tristes. Entre as putas tristes e as traiçoeiras, fico com as tristes.
Por isso, apesar de não poder dar um amor a cada uma delas, deixo todos os meus bens às minhas meninas, que podem continuar putas tristes, mas serão, daqui pra frente, putas tristes e ricas. E os meus sobrinhos? Ah, meus sobrinhos que se fodam!
É a minha última vontade.
Margot Castro Albuquerque, a cafetina”.