NO SOSSEGO DA PRAIA

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Fazia calor na praia. Eu tinha acabado de montar a barraca onde dormiria nos próximos dois dias após uma semana intensa no escritório. Acamparia pela primeira vez, apesar de não gostar muito de mosquitos, o médico me indicou contato íntimo com a natureza para descarregar meu nervosismo. Eu disse que praia não era a minha preferência, mas o médico insistiu. Evidentemente, acreditei naquele cientista de valor. Acabei me irritando um pouco na estrada, quando um filho da puta insistiu em ficar na faixa da esquerda, enquanto eu dava luz alta pra ele sair da frente. Mas tudo bem, era hora de sentir um pouco da brisa junto à areia. Observei o movimento do mar e deixei minha mente relaxar com o som do quebrar de ondas.

“Bom dia, meu querido, posso mostrar minha arte pra você?”, indagou um rapaz de cabelos dread, segurando um mostruário com diversas peças de artesanato. “Agradeço, amigo, tô na dureza, acampando, sem grana”, respondi. “Mas dá uma olhada, sem compromisso”, insistiu. “Já disse que não, obrigado”. “Sai dessa nóia, velho, pra quê tanto estresse?!”. “Eu não tô estressado, só tentando relaxar um pouco”. “Oh, cara, se tá querendo relaxar é porque tá estressado, não precisa disso não. Aqui é lugar de paz”. “Me deixa na minha, por favor, boa sorte com sua arte”. “Não precisa ser agressivo não. Relaxa”. “Não tô agressivo, puta que pariu, dá licença, por favor”. “Mano, você precisa fumar um, na boa, vai acabar ficando doente nesse nervosismo”. “Tá me enchendo o saco, sai daqui”. “É, cara, as pessoas não conseguem mais ficar na paz”. “Eu tô tentando, mas você tá me tirando do sério”. “Sem crise, irmão. Boa praia pra você. Cuidado com o coração, nesse nervoso todo”. “EU NÃO TÔ NERVOSO”, gritei. “Olha aí como tá nervoso, vai agarrar uma hemorroida já já”, disse saindo. Eu estava puto. Aquele hippie quase conseguiu estragar minha manhã. Mas aquilo não me abalaria, tentei centrar minhas emoções mais uma vez na brisa refrescante, na areia fofa e no som relaxante do mar.

“Bi-bí, bi-bí, bi-bí, OLHA O SORVETE”. Os gritos do sorveteiro bateram forte nos meus ouvidos. Quebraram aquele relaxamento. “Vai aí, chefe? Sorvetinho pra espantar o calor”. “NÃO, OBRIGADO”. “Calma aí, amigo, não precisa ser ignorante”. “Só disse que não“. “Eita porra, vai pescar pra ver se relaxa, amigão”. Ele deu uma buzinada bem atrás de mim, levei um susto danado e deixei escapar um grande CARALHO. “Vai sair a hemorroida, patrão, cuidado aí”, disse o sorveteiro, enquanto continuava sua jornada “OLHA O SORVETE”.

Respirei. O sol ficava mais intenso. Batia no meu rosto de maneira a incomodar. Esqueci a porra do boné, cacete. Mas aquilo não seria um empecilho para meu retiro espiritual. Respirei. “Zummm…”. Mosquito. Lá fui eu pegar repelente. Ai! Pisei na merda do cachorro. Consegui observar o meliante um metro de distância de mim. Ele me encarava com a língua pra fora, como se zombasse do meu infortúnio. Vira-lata dos infernos. Mijou na minha barraca.

Não era nem meio-dia e eu comecei a me arrepender de ter ido à praia. Fui até o mato, precisava limpar meu pé cagado. Esfreguei num canteiro, parecia limpo. Eita. Meu pé começou a coçar. Mas não era uma coceirinha. Era uma PUTA coceira. Foi aí que percebi. Urtiga. Ah, não! Avistei um pequeno córrego, corri até lá. Lavei o pé e a coceira começou a aliviar. Delícia. Mas que cheiro. “Não pisa aí não! É esgoto”, avisou uma senhora gorda, que suava intensamente no buço, acompanhada de uma criança. “PUTA QUE PARIU”, gritei. “Calma moço, só tô te alertando, que falta de educação”. “TUDO ACONTECE COMIGO!”. “Tá ardendo a hemorroida é? Tá muito nervoso”. A criança olhava para mim cutucando o nariz e degustando a meleca na sequência.

Saí de lá com coceira, cheiro de merda e ânsia de vômito. Chega!, pensei. Fechei a barraca, carreguei o carro e praguejei mais uma vez o lugar. Quando sentei ao volante, iniciou-se o ardor intenso…

Hoje cá estou eu, no escritório, puto da vida, estressado, com infecção no pé e levantando de tempo em tempo para ir ao banheiro tratar da hemorroida.

Maldito médico!

Pedro Fleury

“Retome o hábito da leitura. Contos impactantes. Textos com humor. Escrita de qualidade.”

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