AMOR DE UM SÓ

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Avistei Claudio naquele bar na esquina da Avenida São João. Era bem mais velho que eu, tomava um chopp e comia linguiça na chapa. Me aproximei, elogiei seus óculos apenas para puxar assunto. Logo abriu um sorriso, me convidou para sentar. Mostrei interesse pelas histórias que contava – mesmo que várias delas um pouco sem graça – concordei com suas ideias e inflei seu ego com olhares maliciosos.

Aceitei ir para a casa dele tomar mais um drinque. Percebi que tinha renda, morava em lugar bem decorado, era funcionário público, e, me fazendo de inocente, insinuei que queria um presentinho. Ele tirou uma pulseira de ouro da gaveta, colocou no meu pulso, parecia feita para mim.

Fiz todas as vontades de Claudio, só disse sim… a tudo. Não falei as verdades que me passavam pela cabeça, apenas o fiz vaidoso, tratei de enaltecer sua beleza (mais para Zé Bonitinho que para Brad Pitt), seu dote (nem tão grande, cá entre nós) e sua masculinidade (nota seis).  Em contrapartida, desde logo, me deu um dinheirinho pelo triste relato que fiz quanto à minha situação financeira.

Permiti que me possuísse, “nossa Claudio, você é o melhor que já tive”, deixei que pensasse ter realizado fantasias inéditas comigo, quando, na verdade, eu era escolada na arte do amor-pago. O homem, assim que se aliviou, apagou, dormiu profundamente.

Quando amanheceu, eu já havia ido embora há muito tempo… segui buscando um novo amor na próxima noite.

Acordei relaxado. Emiliana me conquistara. Fiz loucuras na cama e vi nos olhos dela a paixão. Tive certeza de que a havia feito borbulhar de prazer.

Procurei a moça pelo apartamento. Chamei por seu nome e nada. Terá saído para comprar pão?, me indaguei. Suas coisas também não estavam lá, nem a pulseira de ouro que presenteei para impressioná-la.

Desci e o porteiro da manhã não sabia de quem se tratava. Comecei a desconfiar que Emiliana não mais voltaria. Poderia ter tido uma emergência de família ou, quem sabe, se sentiu mal e precisou ir ao hospital.

Voltei ao bar da noite anterior. Ainda estava fechado, mas o encarregado varria a parte interna, assoviando uma melodia irritante. De toda maneira, foi solícito quando expliquei a situação. Explanou que eu havia sido o terceiro que se apaixonou por ela só naquela semana. Deixei um bilhete se por acaso ela voltasse a me procurar:

“Ah, Emiliana, te amei, mesmo que tenha te visto apenas uma vez. Posso te dar muito mais. Deixo, junto a esta carta, uma prenda mostrando que não estou bravo. Na próxima prometo uma joia melhor, com uma pedra grande e brilhante. Não me importo que tenha outros, vou guardar o ciúme para mim. Volte e me faça voltar a amar… nem que seja por uma noite mais”.

Emiliana não mais me procurou. Estaria eu definitivamente descartado de seu folhetim? Acabei me acostumando ao amor-pago, noite após noite, na esperança de algum dia reencontrá-la.

 

* inspirado na música “Folhetim”, de Chico Buarque.

Pedro Fleury

“Retome o hábito da leitura. Contos impactantes. Textos com humor. Escrita de qualidade.”

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