Lírios brancos por todos os lados, cheiro característico que entra na minha respiração. Não entendo a reunião de pessoas ao meu redor, várias delas que sempre falaram mal de mim. Vejo minha irmã, há cinco anos sem me olhar na cara. Quando eu morrer vou deixar tudo para meu irmão, sonso, mas de bom-caráter. Essa sala está um calor de matar, uma aglomeração que me causa claustrofobia, o ar está pesado. Ah! Quero sair daqui, está me dando náusea. O cheiro de flores está em toda parte. Saio. Consigo respirar melhor. O corredor lotado, uma porção de cadeiras caindo aos pedaços e janelas com grades e vidros trincados. Uma mulher com brincos de ouro e enormes óculos escuros coça a cabeça compulsivamente e grita que quer morrer. Aff! Quando eu morrer não vou achar graça nenhuma, quem quer morrer, pelo amor de Deus? Vejo três pessoas com a mesma perplexidade que eu, sem entender nada daquele ambiente floral. Há também uma fila para pegar café. Olho no relógio, três e quinze da manhã. E os lírios lá, com mensagens e homenagens. E o cheiro se espalha mais. Quando eu morrer não quero lírios, quero rosas brancas. Lírios me lembram aquelas ocasiões tristes, ambientes fúnebres, não quero isso para mim. À amada Cristina, boa filha, boa irmã. Cafona. E está lá. Numa coroa de cemitério. Quando eu morrer não façam isso, nada de clichês. Prefiro um lugar cheio de garçons. Se possível, uma música animada. Observo ao redor. Meus amigos estão ali. Choram. Muito. Choram muito. Volto àquela sala apertada. Susto. Estou ali deitada. Quando eu morrer? Minhas últimas vontades fúnebres? Vou ter que me contentar com os lírios, as mensagens cafonas, nada de rosas brancas ou garçons. A herança que se divida sozinha. As lágrimas mostram que perdoei. Chega, é hora de ir. Por incrível que pareça não estou desesperada. Nada mais importa. Quando morri, me senti amada… apesar de tarde, me senti amada.
