NADA MAIS ESCURO QUE A MEIA-NOITE

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Meia-noite

O problema surge de forma inevitável. É fim de tarde, começa a escurecer. A coisa vai piorando, piorando e a preocupação passa a incomodar, se aloca na mente. Quanto mais tento solucionar, mais cresce. O coração descompensa, a paz vai sendo comprimida como numa panela de pressão, o chiado saindo da válvula de segurança é nítido. Arritmia. De um lado para outro, procuro uma saída, aos poucos a visão fica turva e o tempo anda a passos lentos. Não há nada mais escuro que a meia-noite. É o auge dos problemas, quando temos certeza de que não há caminhos a seguir e o desespero bate forte, a ansiedade não deixa sequer respirar, obstáculos intransponíveis emergem da escuridão e com eles o fundo do poço, não há cordas ali, a visão não alcança nem um palmo à frente do rosto, batidas aceleradas no peito, Deus?, àquela altura, meia-noite, está esquecido, em algum lugar no fundo da alma, enquanto a respiração não alcança o ar e o sono, quando vem, é irrompido, como um raio, diversas vezes em pesadelos vivos, despertos e tangíveis, abandono pelo divino, choro de desespero, pânico, nem o abraço acalenta, as receitas contra as sensações malignas estão longe de funcionar. Uma e meia. Entram partículas de ar no pulmão, como se uma trégua momentânea não deixasse a foice da morte executar a inevitável sentença prolatada por um juiz injusto, pra quê isso é a questão que se coloca, sinal de que o raciocínio não desfaleceu. Três e quinze. Horário perigoso entre a terra e o inferno, ideal para os seres lá debaixo tomarem conta da cabeça acometida pela crise, Deus pisca no pensamento, igual a uma lâmpada em curto, é verdade, mas estava lá, leve milagre, será?, fato é que os trevosos não conseguem me dominar. Respiro. Ufa! Respiro, finalmente. A hora mais escura já foi. Me persigno. Pouco a pouco uma fresta microscópica de luz acende a esperança insculpida no inconsciente. Leveza, é o que preciso, leveza. Quatro e meia. Pássaros trazem canções consoladoras, a leitura flui mais, uma risada de canto de boca aparece. Me hidrato. Enfim sobrevivo à madrugada. Os raios de sol são tímidos, mas reais. O problema está ali, ainda é concreto… diminuído… cada vez mais frágil… vulnerável… pequeno. Quando amanhece, fico livre. Não há nada mais escuro que a meia-noite. A beleza é que sempre aparece o sol nascente. E tudo fica bem.

Pedro Fleury

“Retome o hábito da leitura. Contos impactantes. Textos com humor. Escrita de qualidade.”

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