Ele está ficando cada vez mais longe da realidade, vem derrapando nas ideias, dizendo coisas sem sentido. Os médicos já decretaram: insanidade. Esse é o fato cruel. Vou me despedindo de qualquer lucidez por parte dele. Meu sofrimento começa com a lembrança do passado, no momento em que percebi sua mudança de comportamento; o tempo presente, vendo no dia a dia toda confusão mental; e o futuro, a angústia de não saber como isso vai evoluir e o que farei amanhã.
Como tudo aconteceu? Vou contar de forma breve e exemplificar os devaneios. Um dia cheguei em sua casa e vi todas as janelas abertas. Ele contemplava o sol, dizia que a luz o energizava, que o canto do sabiá fazia-o relaxar. Achei que tinha acordado ruim, meio confuso. Mas ele insistia. “Como faz bem respirar profundamente, você deveria tentar”, me disse. Pensei “endoidou de vez”.
Dias depois, veio me falando da beleza do rio, que as águas passavam e aquele barulhinho tinha um grande charme. Sorria enquanto admirava a paisagem e, ainda, quis pisar descalço na grama. Pura insanidade!
Insistiu para irmos à praia. Caminhou pela areia e mergulhou no mar. Nadou por vários minutos naquela água salgada. Que loucura! Não acreditava no que meus olhos viam.
Bebeu quase dois litros d’água mineral naquela tarde. Falou com todas as letras “corpo são, mente sã”. Mente sã? Com aquelas atitudes, falar em mente sã refletia sua premente demência. Tive muita paciência, não confrontaria a falta de lucidez.
À noite ficou algum tempo olhando para a lua. Estava cheia e brilhante. Disse que via beleza nela. Ainda mais se, como era o caso, estivesse perto de uma cachoeira, percebendo as várias quedas.
Fechei o diagnóstico quando falou que Deus está em todas as coisas, nos pequenos detalhes, em cada canto da natureza, na luz do sol e da lua, nas águas dos rios, da cachoeira e do mar, no canto dos pássaros, na grama verde, no ar que inalamos.
Eu, em plena faculdade mental, não acredito em nada disso. Mas, por causa da insanidade dele, dos discursos desconexos e das observações fantasiosas, fui eu que adoeci, enquanto ele continua vivendo no seu mundo paralelo, contemplando tudo, sem nenhuma lucidez.