ACIDENTE MACABRO

Compartilhe:

Terror

Alice acordou num pequeno cômodo sem janelas, com umidade no teto e cheiro de queimado impregnado no ambiente. Havia sangue no chão de ladrilhos marrons e em todo corpo da garota. Algumas velas pretas estavam acesas sobre o piso, junto a um caldeirão, em cima de um desenho de três espirais. Ao lado, uma vassoura de palha e um cálice de bronze com o símbolo de uma estrela de cinco pontas. Sem conseguir entender o que estava se passando e sem nenhuma lembrança de como fora parar lá, percebeu a porta de madeira entreaberta. Aproximou-se com cuidado, receosa do que a esperava do lado de fora. Um cheiro forte de carne podre se intensificava à medida que ela passava pela porta e entrava no corredor escuro. Situava seus passos pela lâmpada piscante do único pendente que funcionava ali. No final do corredor, transpôs uma cortina de plástico fosco e se viu diante de três mesas de aço iluminadas por luz branca. Não havia janelas também nesta sala, apenas grandes gavetas de metal com puxadores do lado esquerdo. O nariz de Alice começou a sangrar e uma dor de cabeça a arrebatou de tal forma que caiu no chão se contorcendo. Aquela luz branca a estava cegando.

Seu corpo se transportou a outro lugar, a uma praia com o mar vermelho, cuja água fervia. O céu completamente nublado formava uma estufa, fazendo com que a sensação térmica ficasse escaldante. Não havia ninguém lá. A praia parecia infinita, com sua faixa de areia a perder de vista. Uma mulher de cabelos loiros, vestida de branco, apareceu a cinco metros de Alice e, sem olhar a ela, andava a caminho do mar.

– Moça, cuidado, a água está fervendo! – Alice gritou, gesticulando, para chamar sua atenção. A figura parou e a olhou, apontando o dedo indicador em sua direção. Ao abrir a boca, o corpo todo derreteu, apenas o vestido branco ficou. Um súbito enjoo surgiu no interior de Alice, que vomitou um líquido preto. De novo a dor de cabeça atacou, e ela desmaiou.

Acordou no mesmo lugar de antes, caída no chão, junto a uma das mesas de aço. Apoiou-se nela, fazendo força para levantar-se. O mal estar ainda persistia. Percebeu uma inscrição ao lado da mesa: Funerária Alm. Sua espinha gelou e o vômito foi imediato. Sua mente voltou à praia, e ela recordou-se. “Era a Rika.” O pânico tomou conta de si, e a moça tentou desesperadamente sair daquele lugar. A grande porta de ferro estava trancada. No teto havia uma grade de ventilação que, apesar de estar no alto, ela tentou acessar, subindo em uma das mesas funerárias. Não conseguiu alcançá-la, sua mão sequer chegava perto. Tentou escalar as gavetas de metal, apoiando os pés nos puxadores. Alcançou os canos e os agarrou com as duas mãos. Estava quase na grade, quando a porta se abriu de repente e bateu em suas pernas, fazendo Alice cair no chão. A queda resultou numa fratura na perna direita e dor latejante.

– Bom dia, minha querida! Dormiu bem? – indagou uma velha senhora, segurando uma seringa na mão. Ela tinha forte sotaque e olhos de um azul que lembrava a bandeira da Suécia.

– Dona Helga! – Alice, gemendo de dor, a reconheceu de imediato. – Eu…

A velha aproveitou a impossibilidade da garota se defender e aplicou a injeção no braço direito.

– Agora relaxe, doce Alice, vá ter seus sonhos mais profundos.

Retornando à consciência, ela ouvia longe as fortes batidas do seu coração. Aos poucos, a respiração se normalizava e o suor se intensificava. “Ahhhh!”, ela acordou gritando, assustada. Estava amarrada com as mãos para cima. A corda ficava presa a uma viga de madeira do teto. O lugar parecia um celeiro e cheirava a estrume. A transpiração intensa pingava de seu corpo. Os cabelos molhados estavam jogados para frente. Sentiu uma dor dilacerante nas costas, após ouvir um estalo.

– Não, por favor, para, está doendo! – ela implorava.

Só podia escutar gargalhadas sádicas. Outro estalo e mais uma pancada cortante, em sentido oposto à primeira. Estava sendo chicoteada. A dor fazia as lágrimas brotarem de seus olhos.

– É dinheiro que você quer? Por favor, me desamarra e eu vou embora. Ninguém precisa ficar sabendo. Eu vou te deixar rico.

Mais uma chicotada. O torturador se pôs à sua frente, usava macacão jeans e uma máscara de soldador.

– Quem é você? Por que está fazendo isso?

O homem revelou seu rosto.

– Zamber? – os lábios dela tremiam. – Eu não fiz de propósito, por favor, me desculpe.

Ele partiu em direção a ela, os braços estendidos, como se fosse enforcá-la. “Nãoooo!” Alice despertou outra vez na funerária. O sonho pareceu tão real, suas costas ainda ardiam. Ao tocá-las, percebeu que as feridas estavam realmente lá. E sangravam. Ela chorou compulsivamente. “O que está acontecendo?” – ela gritou. Colocou as mãos no rosto, em desalento. Não podia andar, sua perna doía muito.

A porta se abriu.

– Dormiu bastante, minha querida? – Helga segurava um prato com biscoitos e um copo de leite. – Trouxe um lanche.

– Por que está fazendo isso comigo? Olha, eu sinto muito, tá? Eu já pedi perdão.

A mulher se abaixou e deixou a comida ao lado de Alice.

– Descanse, minha querida. – disse, passando as mãos nos cabelos da garota. – Logo tudo estará terminado… – fez uma pausa. – Mas antes você precisa sofrer. – falou a velha, sussurrando, e saiu sorrindo.

– Me deixe ir emboraaaa! – Alice esperneou. Aos prantos, ela soluçava. Soltou um grito de desespero, desejando que as dores fossem embora. Nada aconteceu, apenas ouviu o eco da própria voz.

Pensou mais uma vez em como poderia escapar. Sem conseguir ficar em pé, se arrastou até o corredor onde ficava o quarto em que acordara. O sangue da lesão na perna deixava um rastro no chão. As lágrimas não paravam. Viu que, além do quarto, o corredor desembocava numa parede e não havia saída. Ela se deitou com péssimas expectativas. Desmaiou e dessa vez não teve sonhos.

Despertou com uma intensa dor de cabeça e vomitou bile. Não tinha mais nada no estômago, que clamava por comida, apesar de estar bastante embrulhado. Ela rastejou até a porta onde Helga havia deixado o prato de biscoitos e o copo de leite. Comeu até o último farelo e só faltou lamber a derradeira gota de leite, o enjoo estava um pouco menos intenso. Alice só pensava em como iria sair dali, sabia que havia um motivo para seu aprisionamento.

A música de rock saía das caixas de som no Side Pub, perto da rodoviária da cidade, a trinta quilômetros de onde Alice vivia. Ela jogava bilhar com um grupo de amigas enquanto virava doses e doses de tequila.

– Vou ao banheiro, quer ir comigo, Jeane?

As duas estavam na fila, quando um sujeito de barba serrada e corpo atlético se aproximou.

– Não sabia que era possível uma mulher tão linda jogar bilhar tão bem.

Alice não transava há algum tempo, e lá estava a oportunidade de apagar seu fogo com o bonitão. Afinal, ninguém ficaria sabendo, e as chances de seu ex-namorado descobrir eram bastante remotas.

– Faço muitas coisas bem, além de jogar bilhar. – ela disse, mordendo os lábios.

O rapaz não perdeu tempo e lascou um beijo nela. A coisa começou a ficar intensa e eles foram para trás do bar, onde havia alguma privacidade. Ele abaixou as calças jeans até o joelho, colocou a garota em cima de uma lata de lixo, a mão por debaixo do vestido e arrancou a calcinha dela. Penetrou-a com vigor e gozou rápido, quase não suou. Alice ficou decepcionada, não chegou nem perto do orgasmo, além do tamanho do membro do rapaz ser frustrante. Ele abotoou as calças e quis anotar seu telefone. Ela acendeu um cigarro e voltou ao bar.

– E aí, amiga? Como foi? – perguntou Jeane.

– Trepa mal e tem pau pequeno. – as duas gargalharam. – Vamos tomar mais tequila.

O que havia naquele estranho quarto onde acordara? “Velas pretas, sangue, símbolos riscados no chão… alguma espécie de ritual”, ela pensou. A jovem não acreditava em forças de magia, bruxaria e em nada sobrenatural. Fora criada em família agnóstica, achava tudo uma grande bobagem, porém, aquilo começou a assustá-la. Dentro do caldeirão, ela podia ver ervas e um sapo morto boiando em um líquido vermelho que parecia ser sangue. O asco era inevitável. Pôde perceber um papel dobrado embaixo do caldeirão. Era uma fotografia que reproduzia um casal e uma criança. Aquilo a fez empalidecer. “Zamber, Rika e Alex Alm”, ela disse para si mesma. Mais uma vez, soluçava, enquanto as lágrimas escorriam pelo rosto. Ela pegou a vassoura e mexeu dentro do caldeirão para tentar encontrar mais alguma coisa. Um objeto brilhante saia da barriga do sapo. Fechando o nariz com a ponta dos dedos, para tentar diminuir a náusea, conseguiu jogar o bicho para fora do recipiente. Era uma lâmina que estava dentro dele. Retirou-a com o cabo e leu seu nome grafado nela: Alice Canon. “O que é isso?”, questionou-se. Apesar de não acreditar em nada, estava evidente que os acontecimentos não eram normais, os sonhos eram reais, acordara com a dor e as marcas das chicotadas.

Zamber, Rika e Alex estavam celebrando a venda da casa. Rika estava grávida e iam se mudar para outra cidade, mais perto dos pais de Zamber. Naquela noite, jantaram pela última vez na antiga residência e se preparavam para pegar a estrada. Noak e Helga Alm estavam empolgadíssimos para recebê-los durante uma semana, até terminar a reforma do novo lar. Helga havia passado no mercado e enchido a despensa com guloseimas para o neto.

– Estou tão feliz, Crissie, eles vão ficar uma semana na minha casa. Noak prometeu levar Zamber e Alex para caçar. Vou levar a Rika para fazer compras, a casa nova merece arranjos lindos. – disse Helga à dona do mercado.

Alice começou a perder a noção do tempo, estava naquele quarto escuro, as velas já haviam se apagado por completo e a única luminosidade vinha do corretor, passando intermitentemente pela porta, por conta do defeito na lâmpada. O pânico não a deixava dormir, há horas não tinha desmaios e, por sorte, nenhum pesadelo. Ouviu um ranger de dentes. Estava muito perto dela. Logo após, escutou um ruído de algo raspando na parede. “Quem está aí?”. Uma risada de tom grave iniciou bem baixinho e foi aumentando até quase estourar seus tímpanos, o que a fez colocar as mãos sobre as orelhas, tentando abafar a gargalhada infernal. Ao abrir os olhos, viu a figura de um homem magro, vestido com sobretudo preto, saindo das sombras. Não conseguia ver seu rosto, mas, em vez de pés, a criatura tinha cascos, como de bodes. Alice encolheu as pernas junto ao peito e balançava o corpo enlouquecidamente, as mãos ainda sobre as orelhas. “Não é real, não é real, não é real”. Quando abriu os olhos, a criatura não estava mais lá. Aos poucos foi se acalmando, respirando lentamente, buscando parar de tremer. “Daria tudo por um cigarro”, pensou. “Ufa, não era real!”, soltou uma risada de desespero. “Sou real simmmm!”, a criatura gritou, com a boca grudada em seu ouvido esquerdo. Ela desmaiou.

Quando começou a despertar, via tudo embaçado. Estava sendo arrastada pelo corredor da luz piscante, em direção à sala do necrotério.

– Eu te disse, Helga, essa menina é pesada demais. Não tenho mais idade pra isso.

– Meu querido, já está acabando. Deixe que eles se vinguem.

– Socorro… socorroooo! – Alice esperneou, enquanto Noak Alm a arrastava.

– Ninguém pode te ouvir. Estamos no subsolo. – ele falou.

– Socorro! – Alice insistiu em gritar, tentando dar um golpe no velho com a perna ilesa.

– Pode gritar, assim os mortos virão mais rápido. – ele caçoou. – Helga, vamos subir.

A velha senhora acenou para Alice e os dois a deixaram chorando no chão.

– Mais uma, mais uma. – Alice batia no balcão do bar, pedindo por mais tequila.

– Amiga, chega! – Jeane clamou.

– Eu tive uma péssima trepada, o mínimo que posso fazer é beber até cair.

– Você já bebeu até cair, chega né?

– Que chata, eu nem estou tão mal ass… – ela vomitou sobre o balcão do bar.

– Ah, sua piranha! Sai daqui! – esbravejou o gerente.

– Ela só passou mal, calma! – Jeane o censurou, enquanto segurava a cabeça da moça.

– Eu vou chamar a polícia, saiam daqui já.

Jeane carregou Alice para fora do Side Pub.

– Tequilaaa! – ela gritava, às gargalhadas.

– Não vai pegar o carro nesse estado, Ali. Pelo menos dá um tempo aqui fora, antes de voltar pra casa.

– Traz uma Coca-Cola pra mim. Vamos ver se melhoro do fogo.

– Como? Eu também estou proibida de entrar.

– Você não vai voltar pra sua casa? Me dá uma carona. Amanhã volto e pego o carro.

– Desculpa, amiga. Vou dormir na casa do John, que é pro outro lado da estrada, é totalmente fora do meu caminho.

– Ok, ok. Pelo menos alguém tem que aproveitar a noite. – Alice chegou perto do rosto de Jeane. – Trepa por mim. – e sorriu, exalando hálito azedo.

O choro de uma criança a acordou. Erguendo a cabeça, ela viu um carrinho de bebê ao lado da primeira mesa metálica. Com muita dificuldade conseguiu ficar de joelhos, se aproximando dele, e percebeu que uma manta vermelha o cobria. O gemido ficou intenso, mas parecia vir do lado oposto da sala. Alice imediatamente se virou. Um ser, sem rosto e com a pele escamosa, engatinhava em direção a ela, num choro contínuo. Sangue começou a jorrar das grandes gavetas de metal, até cobrir os seus pés. O ser havia desaparecido, mas o gemido continuava e lágrimas ácidas caiam do teto, queimando a pele da garota. A dor se juntava ao desespero e ela novamente se encolheu no chão encharcado, fechando os olhos. De repente, o silêncio… com medo do que encontraria, abriu os olhos lentamente. Não havia sangue, nem lágrimas, nem aquele ser bizarro, apenas a funerária. “Não tenho saída, parece que vai ser uma tortura eterna, talvez se eu jogar todo aquele feitiço fora…”

Ela voltou ao quarto escuro, arrastando a perna com muita dificuldade. Tomou o caldeirão em suas mãos e estava prestes a jogar todo líquido no chão.

– Eu não faria isso se fosse você. – ouviu uma voz vinda das sombras. Era a criatura de sobretudo. Alice não mais se assustou, estava exausta, não temia mais a morte. Aliás, começou a pensar na hipótese de tirar a própria vida.

– Eu não aguento mais essa merda. Foda-se! Foda-se tudo!

– Criança, isso não vai adiantar. Quer saber como eles invocaram os espíritos? Com a minha ajuda. Não por que eu goste de fazer isso, mas se sou pago, faço.

– Imagino que não foi pago com dinheiro.

– Claro que não. Sou pago com aquilo que me fortalece: sangue.

A família Alm pegou a estrada de madrugada e seguia à casa dos pais. Rika precisou de um tempo para se recuperar do enjoo próprio da gravidez. Já tinham o nome da criança: Olsson, em homenagem ao avô dela. Zamber tratava a esposa com gentileza, abriu a porta do carro e a beijou na boca. Alex estava na cadeirinha, comportado no banco de trás, com bastante sono, mas esperava o pai cantar para ele dormir.

Enquanto isso, Alice tentava ligar o carro, sem conseguir acertar a chave na ignição. Entrou numa estrada vicinal e acendeu um cigarro para não dormir ao volante. Estava piscando, enjoada e com dor de cabeça.

Zamber e Rika cantavam Finger Family, a favorita de Alex, que não resistiu nem cinco minutos acordado.

– Eu te amo. Nossa vida na casa nova vai ser maravilhosa, confie em mim – disse Zamber, olhando para Rika.

Alice dormiu. O Jeep Cherokee que dirigia acabou com o pequeno carro dos Alm. Ela acordou em cima do airbag, com um corte na boca e no supercílio. Demorou para recuperar a consciência.

Ela estava acreditando no que a criatura dizia, passava confiança e falava muito bem.

– Nesse caldeirão está o sangue dos três mortos, além do feto. Com isso, consigo trazer o espírito dos mortos. Fica mais fácil quando morrem num acidente, eles não aceitam que partiram para outro mundo e ficam vagando por aqui. Meu trabalho é fortalecê-los e obrigá-los a fazer o que eu mando para castigar os vivos. Evidentemente que cobro por isso.

– E se eu te pagar mais? Você quebraria o feitiço?

– Agora sim estamos conversando. Sou um homem de negócios, podemos fazer um acordo.

– Estou ouvindo.

– O sangue dos mortos é precioso, mas o dos vivos é muito mais. Minha proposta é a seguinte: seu sangue, da velha e do velho. Você vai desenhar no chão um símbolo com o seu sangue. Vou ensinar qual é. Depois vai jogar sangue da velha e do velho em cima. Assim que estiver feito, vou te libertar dos espíritos que te atormentam.

– Como eu vou saber se você vai cumprir sua parte?

– Eu te dou minha palavra, ela é a minha força. – a criatura fez um sinal com as mãos.

– Como eu vou conseguir o sangue deles?

– Bom, essa é a sua parte do acordo… eu usaria da violência pra conseguir, provavelmente eles não serão voluntários. – parou por alguns instantes, encarando-a. – Se eu fosse você, pensaria rápido na proposta.

Um menino pequeno, com olhos pretos e dentes afiados, entrou no quarto. Alice ficou olhando-o fixamente, esperando qual seria a surpresa dessa vez. Ele inclinou a cabeça para o lado, encarando-a de volta, como se tentasse decifrá-la. O garoto avançou em velocidade e abocanhou a perna esquerda dela, que ainda não estava machucada. Alice gritava e socava a criança com toda força que ainda lhe restava.

– Eu aceito! – ela gritou para que a criatura ouvisse.

Imediatamente, o garoto desapareceu. A marca de mordida continuava lá e o sangue escorria por sua perna.

– Que ótimo, o sangue está fresco. Vamos começar a desenhar com ele. – a criatura foi logo dizendo como queria o símbolo no chão. Era um tridente dentro de um pentagrama. – Isso, menina, não precisa ser grande, o que me importa é o sangue. Agora é só pegar o dos velhos. Eles têm histórico de magia, os ancestrais eram nobres, vão me fortalecer ainda mais.

Algumas horas se passaram. Alice esperava de tocaia na porta, acertaria os velhos com o cabo da vassoura. Ficou pensando naquela noite, não era para ter sido daquele jeito. “Se o xerife não tivesse aceitado o suborno, eu teria ido pra cadeia e talvez estivesse mais segura”, pensou. Sua garganta estava seca, já havia sangrado muito e a tontura a abatia. Havia uma pia nos fundos da sala, mas não funcionava, não tinha água por nenhum lado. Passou o dedo pelo copo de leite, tentando aproveitar o último resquício, estava seco. Ficando cada vez mais debilitada, apagou de novo.

Ela despertou com o barulho da chave, estava suando e cada vez mais desidratada.

– Minha querida, trouxe um… – Helga não conseguiu terminar.

Alice a atingiu no rosto e deslocou seu maxilar. Lentamente, a velha senhora foi desabando, fazendo um ruído leve, como se estivesse entrando em transe. O sangue de Helga foi colocado sobre o símbolo.

– Muito bem, menina. A primeira parte está cumprida. Falta o dele. – a criatura desapareceu nas sombras.

Alice ficou sentada no quarto escuro, já estava totalmente sem forças, as dores já não a incomodavam, estava com as pernas dormentes e sem orientação espacial. Lembrou-se da infância.

– Deus não existe, filha. Coloque isso na cabeça. É uma coisa que inventaram para escravizar os fracos. – disse o ruivo, de quase dois metros de altura, esbravejando por Alice ter pedido para assistir à missa no domingo.

– Mas pai, eu só quero ver. Na escola disseram que quem não é batizado não vai pro céu.

– Quem vai pro céu é avião, menina. E não me desobedeça, vá estudar e saber como a ciência funciona. Não quero filha minha sendo alienada por um bando de fanáticos.

Uma pancada na cabeça de Alice e tudo ficou preto. Quando abriu os olhos, viu-se mais uma vez sendo arrastada por Noak Alm. Ela não conseguia reagir. Aparentemente a criatura não iria ajudar, afinal, ela não cumprira o acordo. O velho a colocou nas costas, gemendo de esforço, abriu uma das gavetas funerárias e a colocou dentro. Agora ela estava completamente no escuro.

– Não, por favor, não. – ela não conseguia mais gritar. – Eu vou morrer aqui… vou morrer aqui. – o choro denotava que havia se entregado à morte.

Começou a pensar em quanto tempo seu corpo se desligaria, em quanto tempo sua alma se desgrudaria. “Vou descobrir se Deus existe, afinal”, ela riu de desespero, não tinha mais controle dos seus sentidos ou dos movimentos. “Acabou”. O único ruído que ouvia eram as batidas do seu próprio coração.

Uma luz se acendeu dentro da gaveta, mostrando apenas o rosto da criatura.

– Você descumpriu nosso acordo.

– Nãoooooo! – ela conseguiu gritar enquanto era sugada no pescoço pelas grandes presas.

*conto publicado originalmente na Antologia “Terror e Medo” da editora “DarkBooks”.

Pedro Fleury

“Retome o hábito da leitura. Contos impactantes. Textos com humor. Escrita de qualidade.”

Posts Recentes

Newsletter

Receba as novidades no seu e-mail

Compartilhe:

Deixe um comentário

{{ reviewsTotal }}{{ options.labels.singularReviewCountLabel }}
{{ reviewsTotal }}{{ options.labels.pluralReviewCountLabel }}
{{ options.labels.newReviewButton }}
{{ userData.canReview.message }}

Nesse espaço você encontrará contos e crônicas autorais que serão publicados periodicamente. Deixe seu comentário e interaja comigo. Acima de tudo, DIVIRTA-SE!

Receba as novidades no seu e-mail