ADEUS, PAI

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Você tinha o costume de ir todos os dias à casa dele pela manhã, o ajudava a se barbear e o levava até a mesa do café. As idas ao banheiro de meia em meia hora não faziam com que você perdesse a paciência, mas causava uma angústia vê-lo reclamando do homem que sempre lá o observava, apesar de você saber que era apenas o reflexo no espelho.

Quando ele só se queixava de babar de quando em vez, você ainda não tinha essa estranha sensação de que ele estava indo embora, porém, quando os movimentos dos braços se atrapalharam, as palavras se embaralhavam nas cruzadinhas e as leituras não chegavam mais ao fim, o diagnóstico se evidenciou.

De repente, ele já não estava mais lá. O corpo sim, já a mente havia ido embora. Foi então que você remoeu todo o passado. O que havia de ser dito, restaria entalado para todo o sempre. Ajudá-lo a se afeitar, com aquela navalha em punho perto da jugular, era um exercício diário de como lidar com a raiva, com o ódio que sentia por ele, diante de tanto mal que te fez.

A morte não viera por suas mãos, foi a doença que o levou. Teve um sepultamento silencioso, sem amigos, sem parentes. Só você, o rejeitado, o bastardo, aquele de quem ele nunca quis saber, segurou a alça do caixão. E você experimentou um fundo de amor quando realmente o perdoou após sua partida.

*publicado originariamente na antologia “Afetados” da Editora Travassos.

Pedro Fleury

“Retome o hábito da leitura. Contos impactantes. Textos com humor. Escrita de qualidade.”

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