– Bom dia, doutor, desculpe o atraso.
– Entre, Bibiano. Fique tranquilo. Foi bom que demorou um pouco. Consegui terminar de ler o jornal. Pode se deitar no divã.
O doutor estava na grande cadeira de veludo verde atrás da mesa de madeira talhada no Liceu de Artes e Ofícios. Tirou os óculos redondos, com estampa tartaruga, e acendeu um charuto antes de iniciar a sessão.
Bibiano percebeu que a coceira do doutor estava mais severa do que nunca, assim como a coloração das remelas, amarelas reluzentes, apesar de que naquela manhã babava menos que o normal.
Quando o doutor se aproximou, ficou evidente que naquele dia não havia tomado banho, o cheiro de salgadinho industrializado estava forte no ambiente.
– Vamos lá. O que tem pra me contar hoje?
– Ainda vejo aquele pastor pela rua, todo dia ele me atormenta, fala palavras de ordem, grita comigo batendo na bíblia.
– Como você se sente em relação a isso?
– Eu fico extremamente bravo. Ele me chama de puta, doutor, de puta.
– E por que isso te incomoda tanto?
– Porque eu não sou puta.
– Se você não é, não tem por que se incomodar, Bibiano.
– Mas o senhor sabe do passado da minha mãe, né, doutor?
– Ser da vida não é feio, já conversamos várias vezes a respeito disso. Há putas desde o início do mundo.
– Toda vez que o pastor me aborda, lembro dela chegando em casa com aquele brutamontes que olhava pra mim mostrando os dentes, parecia querer me comer vivo.
– Mas não comeu, não é?
– Só comeu a minha mãe.
– Sim, sim. No sentido figurado da coisa. Como disse, era a profissão dela, Bibiano. Pense comigo, você foi criado com dinheiro suado, ser puta é uma profissão honesta, a não ser aquelas putas que prometem e não cumprem… mas essa é outra história… eu trazendo os meus problemas pessoais à consulta. Vamos continuar. E a bonitinha que passa na sua rua?
– É linda, doutor, tem que ver a elegância com que anda, o rebolado sedutor, aquela fragrância de talco, sempre bem alinhada, com lacinhos cor-de-rosa.
– Bibiano, já te disse: você é bonito, parece que trabalha em Hollywood, tem tudo pra ser um pegador.
– Ah, doutor, não fosse o probleminha precoce que levou embora minhas bolas…
– Bobagem. As mulheres têm o poder de nos fazer delirar apenas com o cheiro, a exemplo da bonitinha da sua rua.
– Mas como competir com o Carlão? Ele é o dono do bairro, com aquele porte atlético, hormônios borbulhando. E eu, um pobre rapaz sem bolas.
– Vai chegar a hora dele, Bibiano. Jovens assim nem sabem como os pais podem ser cruéis a partir de certa idade dos filhos. Logo aquelas bolas lustrosas também terão destino certo.
– E o que eu faço com o pastor, doutor?
– Mija em cima do mijo dele, mostra quem manda lá, marque seu território. Vá cheirar o traseiro daquela dama, vai ver como pode se entorpecer de prazer. E lembre-se sempre que sua mãe colocou muitos filhos no mundo e fez muita grana, nem toda puta tem tanta saúde assim, sinta orgulho dela. Agora eu preciso sair, tenho alguns postes pra mijar antes de dar aquela bela cagada. Aceita um charuto?