Era década de oitenta, doutor Lourivan de Damasceno e Damasceno tinha péssima fama no tribunal, daqueles advogados que mais atrapalham do que ajudam o cliente.
Andava com um terno, que não combinava com a gravata, que, por sua vez, não combinava com a camisa, que nada tinha a ver com o cinto, que estava longe de ornar com o sapato.
Ele pensava que cabelo besuntado com gumex e o bigode fino com pontas puxadas para cima dariam algum charme à sua aparência, mas apenas serviam para mais zombaria nos corredores do fórum.
O doutor trocava a dicção de dolo por dôlo, se intitulava adEvogado, gaguejava na sustentação oral, perdia horário das audiências, se atrapalhava todo ao falar com o juiz e vivia derramando café na roupa, no chão e nos funcionários do fórum, que fugiam dele como diabo da cruz.
Mas, sem dúvida, sua pior atuação era perante o Tribunal do Júri. Não tinha nenhum talento. Seu traquejo era zero, tinha dor de barriga no meio da sessão e grande dificuldade para ler os autos. Numa ocasião chegou a chamar seu próprio cliente de facínora e confessou a culpa, ali, na frente dos jurados, praticamente pediu a condenação unânime. “Meu cliente não presta mesmo”, finalizou sua fala.
…
O guarda do Tribunal era conhecido como Souza. Estava lá há anos, era praticamente um monumento do salão do Júri. Um dia o guarda rondava o plenário, aguardando mais uma sessão de julgamento, quando ouviu um choro copioso vindo da escadaria. Foi até lá e viu uma mulher encolhida, soluçando em nítido desespero.
Ele se aproximou e perguntou o que estava acontecendo para que aquela moça estivesse tão em pânico.
– Eu vou ser julgada pelo Tribunal do Júri pelo crime de aborto – ela respondeu.
Souza ficou compadecido e falou:
– Minha senhora, eu trabalho aqui há muitos anos, já vi de tudo, muitas condenações e muitas absolvições também. Mas nunca, na minha carreira toda, vi alguém ser condenado por crime de aborto aqui nesse Tribunal.
Ela ficou surpresa com aquela revelação, se acalmou um pouco.
– E tem mais – Souza continuou – estamos na década de oitenta, a sociedade evoluiu muito, o aborto passou a ser uma coisa até tolerada, tem muita reivindicação do movimento feminista e de várias associações.
A moça estava definitivamente aliviada. Souza pegou um pouco d’água e foi conversando com bom-humor até arrancar uma risada da ré. Em dez minutos de conversa ela estava em pé, respirava normalmente e o inchaço de tanto chorar ia sumindo do rosto.
Eles já se despediam quando Souza perguntou:
– A propósito, quem é o advogado que vai te defender no plenário?
Ela pegou um papelzinho na bolsa, conferiu e falou:
– Vai ser o doutor Lourivan de Damasceno e Damasceno.
Aí quem chorou foi o guarda…