Roseli tem todo tempo do mundo. Às cinco e quarenta e cinco, acorda cada um dos três filhos com beijo de bom-dia e faz café da manhã personalizado. O maior não gosta de queijo, o menor tem alergia a abacaxi, a do meio passa mal com leite. E o sorriso da mãe não sai do rosto. Depois de deixar os meninos na escola, começa sua rotina de secretária no escritório do doutor Martins, um advogado sisudo, que tem mania de bater na mesa aos berros para chamar a atenção dela. E a adjetivação? Burra é de cinco em cinco minutos. Às vezes imbecil, às vezes idiota. Roseli passa por cima dos xingamentos, precisa do emprego. O pai das crianças hoje tem outra família, não dá suporte à ex-mulher, por isso o dinheiro do serviço, apesar de curto, é essencial. Na meia hora de almoço, se junta à faxineira da firma, dá boas risadas, e logo volta à labuta, precisa sair rápido para buscar as crianças na escola. Muitas vezes atrasa, o doutor Martins inventa alguma tarefa urgente. Roseli fica presa e implora à mãe, dona Josefa, para pegar os netos. Sempre que isso acontece, Josefa grita ao telefone, dizendo que tem uma filha preguiçosa, desorganizada, que não pensa nos compromissos importantes da mãe, como tomar café com as amigas no fim da tarde. É um estorvo ter que andar dois quarteirões até o colégio e aguentar os netos por uma hora. Roseli fala que a ama e agradece de coração a generosidade pelo favor. Em casa, depois do jantar com as crianças, leva todos para o banho, brinca com eles e os coloca para dormir. Não é tarefa fácil. Ainda estão agitados. Tem que apelar para as estórias. Lê uma. Duas. Às vezes até três. Ufa, dormiram. Não deixa de dar um beijo neles e sorrir. Olha para o céu e dá graças ao Senhor pela felicidade de ter uma linda família. O último turno começa. Tem que cozinhar, lavar, estender as roupas, passar as do dia anterior e limpar a casa sem aspirador para acordar os meninos. Roseli tem todo tempo do mundo. Só falta arrumar um tempo para colocar em dia todos os choros que não tem tempo de chorar*.
