Entrei na firma há três anos. Desde sempre minha função foi organizar pastas e pegar café para os chefes. Passei praticamente por invisível durante esse tempo, nem meu nome sabiam direito.
Um dia, no alto de uma escada dentro do arquivo, ouvi: “Oi, bom dia, sou Nádia, a nova secretária”. Quando olhei para baixo, bambeei as pernas, tive um encantamento, vi a mulher da minha vida. Fui descendo com o coração acelerado, não sei como não fui para o chão. Finalmente cheguei perto dela.
Foi a primeira vez que vi seu sorriso de perto, os olhos meio vesguinhos que davam um charme inexplicável a ela, parecia uma gatinha assustada, pedindo para ser amada.
Descobri, alguns dias depois, que ela tinha noivo. Chorei igual maluco. Nunca havia passado algo assim comigo. Era a tal da paixão. Nádia era bem simpática, sabia até meu nome, mas não passava disso. Fazia o trabalho e ia embora. Nunca ficava para os happy hours, nem esticava conversa.
Mês atrás de mês e eu não tirava Nádia da cabeça. Foi então que, na volta para casa, vi um anúncio no poste “AMARRAÇÃO AMOROSA. TRAGO A PESSOA AMADA EM TRÊS DIAS”. O que poderia perder? Liguei e marquei horário.
Um sobrado humilde, faltava reboco no muro e o portão de ferro estava bastante enferrujado. A campainha não funcionava, bati palmas. Ouvi passos e logo uma senhora, com sombra roxa exagerada nos olhos, me atendeu. “Bruno?”, “sim!”, “entre, fique à vontade”.
No corredorzinho, cheiro de perfume doce e algumas velas, preta e vermelha, acesas no chão, além de cidra e cigarros de filtro branco. A velha senhora me atendeu na mesinha da cozinha.
Na luz, consegui ver melhor. Ela tinha um lenço vermelho nas costas e muitos adereços dourados. Se era ouro de verdade, não posso atestar. Fumava bastante. Confesso que o cheiro do perfume, misturado com incenso e cigarro me deu enjoo.
“No que eu posso te ajudar, menino?”, indagou. “Tem uma garota que eu gosto, vi que a senhora traz a pessoa amada, queria ver se pode fazer essa amarração pra mim”, respondi.
Ela me analisou de cima a baixo. “Tem certeza de que quer essa garota?”. “É a minha maior certeza, estou apaixonado”. “Eu posso fazer, mas minha amarração dura sete anos”. “É exatamente disso que preciso, em sete anos ela vai se apaixonar verdadeiramente por mim”.
A velha perguntou três vezes se era aquilo mesmo que eu queria. Respondi que sim, com muita convicção. Pegou um pedaço de papel e começou a escrever todo material que eu precisaria providenciar e o preço de seus honorários no fim da folha. Foi de cair o queixo. Pedi alguns dias para levar tudo e fazer o pagamento.
Vendi minha honda biz e uma guitarra que ganhei do meu tio. Comprei as velas, ervas, melaço, frutas, champanhe, puxa, nem lembro de tanta coisa. Entreguei tudo a ela, inclusive um envelope com o dinheiro do serviço. “Três dias”, me prometeu, “por inquebráveis sete anos”.
Quarta-feira, primeiro dia após a amarração. Estava na firma tomando café na copa. Nádia entrou com uma saia preta curta, aquelas pernas perfeitas eram imãs para os meus olhos. “Oi, Bruno”. Percebi que estava diferente. “Oi. Não te vi ontem. Tudo bem?”. “Na verdade, disse que estava doente pra não vir trabalhar. Desmanchei meu noivado, estou muito triste”. “Nossa, que pena, digo, acho que isso não é bom né?!”. “Nós não estávamos bem há algum tempo, então é melhor assim”. “Quer tomar um chope no fim da tarde?”. “Seria ótimo”. Quase explodi de alegria.
A noite foi maravilhosa. Demos risada, descobri que tínhamos muito em comum, morávamos perto. Não rolou nada, mas abri um caminho para alguma intimidade.
Quinta-feira. Nádia tinha caprichado na maquiagem. Chegou perto, deu um beijo estalado na minha bochecha e me abraçou. Até arrepiei. Saímos de novo. Mesmo lugar, conversa ainda melhor.
Sexta-feira. Nádia me agarrou no corredor. Transamos no banheiro, logo pela manhã. E assim foi durante um mês. Nos encontrávamos todos os dias e fazíamos sexo de todos os jeitos possíveis e em qualquer lugar minimamente disponível. Foi a melhor fase da minha vida.
E a pior fase da minha vida estava por vir. Subimos no elevador juntos. Dei oi para a ascensorista, assim como todos os dias. Nádia me deu um chute e falou no meu ouvido “está dando em cima dela, é?!”. Chegando no escritório, expliquei que não tinha nada a ver, que era uma questão de educação. Depois, começou a pegar no meu pé, porque contei piada à moça da cozinha. Brigou comigo por ter servido café à minha chefe. “Quem essa vagabunda pensa que é?”, inquiriu. “Minha chefe”, respondi.
A coisa chegou num ponto insuportável. Eu não tinha mais vida, era vigiado vinte e quatro horas por dia. Me proibiu de sair com os amigos, de ver minha família. Falava que o mundo está cheio de piranha e que iam me tirar dela. Me fez pedir as contas do emprego.
Comecei a trabalhar de casa, fazendo edição de vídeo para alguns conhecidos. Numa segunda, enquanto Nádia estava na firma, fui tentar sair de casa, mas a porta estava trancada. Logo chegou uma mensagem no meu celular: “VOCÊ ESTÁ PROIBIDO DE SAIR”. Como Nádia sabia? “Mas que merda, estou preso na minha própria casa”, gritei. Outra mensagem: “PARE DE GRITAR, ESTOU OUVINDO TUDO, HÁ CÂMERAS POR TODA PARTE. SE COMPORTE”.
Eu precisava acabar com aquilo. Esperei Nádia chegar em casa e tive uma séria conversa. Disse não aguentar mais, que não podia ser controlado assim, havia acabado minha privacidade, as amizades, a alegria de viver.
Ela ficou muito triste. Chorava alto, enquanto arrumava suas coisas para ir embora. “Vou fazer um último pedido, posso ficar com o violão que está no porão?”, indagou. Puxa, um violão pela minha liberdade, estava muito barato. Desci para pegá-lo e escutei o barulho das trancas. Nádia havia me prendido. Achei que seria por apenas umas horas, mas o tempo foi passando.
Todos os dias, tentava me comunicar, explicando minhas frustrações, o porquê terminei o relacionamento. Ela sequer respondia. Abria a porta, deixava água e comida, e ia embora. Mudei de estratégia, foram meses fazendo declarações de amor lá de baixo e Nádia respondia dizendo que me amava, mas que não arriscaria me perder.
Me descontrolei, tentei arrombar a porta. “FILHA DA PUTA, ABRE ESSA MERDA!”. Nada, absolutamente nada. Gritei dias a fio. Ninguém veio me acudir. Venho, desde então, há um ano, buscando contato com o mundo exterior.
Se essa carta chegou para você, peço, por tudo que é mais sagrado, que chame a polícia e mande para o endereço que está no envelope.
Assinado,
Bruno Mendes.
Quando terminou de ler a carta para Bruno, Nádia falou:
– Achou que isso fosse chegar a alguém? Tentando colocar a carta dentro do lixo – ela riu. – Tem que ser muito burro pra achar que eu não confiro tudo que sai desse porão. Entenda, meu amor, o mundo exterior sou eu. Lembre-se, você que quis assim. Estamos amarrados.
Ela fechou a porta. Bruno, encolhido no canto, só pensava na velha senhora e nas três vezes que disse sim, sabendo que ainda tinha quase seis anos para o fim da amarração… a não ser que um dos dois perdesse a vida.