LAÇOS SÃO LAÇOS

Compartilhe:

Fogo

Que família feliz eu tinha. Maldito acidente! Levou meu pai e acabou trazendo meu padrasto. Passei de princesinha da casa para prisioneira de um jogo macabro. Crueldade com uma criança de oito anos. Tentei pedir socorro à mamãe, que só dizia “agora ele é seu pai… não é perfeito… mas faz parte do laço da nossa família”. Sempre adorei bonecas, as deixei de lado assim que aconteceu a primeira vez. Estava com a minha favorita no colo quando ele entrou no quarto e passou a mão por debaixo do meu vestido. Eu não consegui entender muito bem o que acontecera, me senti desconfortável, ele entrou no meu quarto sem pedir licença e interrompeu minha brincadeira, era essa a minha revolta… mas, laços são laços… no dia seguinte voltou e me machucou passando a mão por dentro da calcinha, corri para a mamãe, ele negou e eu apanhei, mentiras não eram admitidas em casa, devia respeito ao meu padrasto… assim ela determinou… laços são laços… as coisas foram piorando, mamãe fazia vista grossa, não é possível que não ouvisse, eu gritava, poxa, gritava muito. Ele passou a nem tapar minha boca, tinha certeza da impunidade, mamãe advertiu que se eu contasse para alguém as mentiras, como ela chamava, teria sérios problemas em casa… “problemas de casa são resolvidos em casa”… e laços são laços… aos treze anos, ele começou a ter cuidado, já tinha me tornado mocinha, queria evitar um acidente, “imagina uma criança nessas alturas”, meu padrasto se benzia. Muitas vezes eu me sentia esgotada, suja, triste… e ele repetia que eu deveria agradecê-lo por me tratar com carinho… laços são laços… toda vez que ele me possuía, mamãe ficava do outro lado da casa gritando letras de boleros. Malditos boleros! Até hoje não saem da minha cabeça… “Te beso, me besas, me abrazas, queremos, que noche, esta noche, me pierdo, me enredo”… ele se excitava, repetia a música no ritmo de mamãe.

…Lembro dos meus hormônios borbulhando e o humor variando, tinha vontade de morrer, não aguentava a tortura…

Laços são laços… por quê?… por que sou de família tradicional?… laços… e eu?… laços… eles dormindo e eu na crise de pânico… laços… pisando devagar no chão de carpete, ouço o ronco vindo da suíte… laços… abro a porta sem fazer barulho… laços… vão acordar com o cheiro do álcool?… laços… não despertaram com o riscar do fósforo… laços… com a porta trancada, eles não têm chance de se livrar… laços… os gritos me excitam… laços… o cheiro me satisfaz… laços… agora vou ficar segura… laço… cada vez menos escuto… la… vou sossegando… l… estou em paz!

Pedro Fleury

“Retome o hábito da leitura. Contos impactantes. Textos com humor. Escrita de qualidade.”

Posts Recentes

Newsletter

Receba as novidades no seu e-mail

Compartilhe:

Deixe um comentário

{{ reviewsTotal }}{{ options.labels.singularReviewCountLabel }}
{{ reviewsTotal }}{{ options.labels.pluralReviewCountLabel }}
{{ options.labels.newReviewButton }}
{{ userData.canReview.message }}

Nesse espaço você encontrará contos e crônicas autorais que serão publicados periodicamente. Deixe seu comentário e interaja comigo. Acima de tudo, DIVIRTA-SE!

Receba as novidades no seu e-mail