Passei bastante tempo observando aquela maçã vermelha e brilhante. Parecia apetitosa, dava pra sentir o suco antes mesmo de mordê-la. Conseguia me ver no seu reflexo, vibrações nítidas a olho nu. Mordi. Cada mastigada me fazia mais livre. Quando engoli, o êxtase invadiu minha garganta, descendo pela faringe, esôfago, estômago, chegando à alma. Ah, via luzes de todas as cores. Começaram a convergir até o cristal que enfeitava minha sala. Pink Floyd… ouvia Breathe… e respirei. Merda, aquele filho da puta de elefante cor-de-rosa estava mexendo na minha geladeira. Pegou minha última cerveja, porra! “Tudo bem”, falei, “eu topo sentar com você e a gente divide”. Ele parecia gente boa, conversamos sobre rock e baladas antigas dos anos setenta. Manjava muito mais que eu sobre música… e sobre cerveja… era mestre cervejeiro. Havia viajado mais de trinta países sendo jurado em concursos etílicos e era imbatível na arte do beer pong. Só fiquei puto quando ele cagou na sala… não era um cocozinho não, era uma montanha de merda. “Não deu pra segurar, brother”, justificou. Comecei a chutá-lo pra fora de casa. Mas não imaginava que a bunda de um elefante fosse um buraco negro. Naquele instante fui sugado pra dentro do animal. Tudo escuro. Vi a luz fraca de uma lamparina bem de longe. Um velhinho lia um quadrinho do Carlos Zéfiro. Era Geppetto. Estava bem escondido pra ninguém ver. Do lado oposto, uma holandesa dançava frevo e uma croata adestrava um pinguim de geladeira. Andei um pouco mais. Tropiquei numa borboleta albina, que ficou me encarando. Ainda teve a audácia de xingar minha mãe. Mais pra frente uma pessoa com bruxismo começou a me incomodar com o barulho. Que aflição! Percebi que, ao invés de aparelho nos dentes para o tratamento, o usava no mamilo direito. Foi aí que começou uma coceira insuportável no meu corpo… mas o que o bruxismo tem a ver com isso?… nada, era a enorme quantidade de folhas de urtiga ingeridas pelo maldito paquiderme (nunca confie em um!). Evidentemente que não fez bem ao animal. Logo expeliu todos nós, inclusive Geppetto, àquela altura com ereção tão forte que rasgava a calça marrom de veludo puído. Pensei “chega de conversar com bichos”… mas foi inevitável não prestar atenção à cabra cínica e maledicente, sempre presente nos contos do meu amigo armênio. “Passe o charuto”, ordenou, “preciso te falar sobre a vizinha do quarenta e dois”. Baforadas depois, veio o conselho: “Se ela te pedir açúcar, desconfie, é diabética no mais alto grau”. “Calma lá”, falei, “nos filmes isso é sinal de que ela me quer”. “Por isso mesmo”, disse a ruminante, “a sífilis pode até fazer cair isso que você chama de pinto”. Uísque vai, uísque vem, a cabra chamou um táxi pra buscá-la. “Tenho sogra brava”, justificou. Que viagem, vi uma duende fazendo um chá. É lógico que seria de cogumelo para manter o clichê da alucinação. Não dessa vez. Era hibisco, a duende tinha acabado de sair da reabilitação, estava focada no detox e exercícios físicos. “Fiquei puta ao dizerem que eu só sairia da clínica quando tivesse alta. Que piada sem graça!”. Nem deu tempo de rir, precisei ir ao banheiro urgente. A loucura havia passado e aos poucos, na tranquilidade do vaso sanitário, eu ia voltando a mim… foi o que eu pensei… quando de fato passou a brisa, me peguei cagando no meio da calçada em frente ao prédio. Que efeito potente esse da maçã… será que a Branca de Neve também tomava LSD?