MEMÓRIAS DEPRESSIVAS

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Passava das duas e meia da manhã quando Soriano Honorato chegou à última linha da revisão do suspense no qual trabalhava como editor. O cinzeiro estava lotado como em quase todas as noites durante a tarefa que parecia não ter fim. “Este vai ser um best seller”, disse Soriano ao desligar o computador, dando a última golada em seu uísque. Mandou uma mensagem a Vanessa, funcionária mais antiga e braço direito do editor: “Finalmente terminei!!!”. O ofício na editora vinha bem como nunca, teve que contratar mais duas pessoas à equipe para poder dar conta de tanta demanda, estava radiante, apesar do cansaço intenso.

A noite de sono foi reparadora, o descanso merecido com o êxtase de quem concluiu o trabalho. Naquela manhã até fez barba, cantou no banho e leu o jornal sem nenhuma pressa, acompanhado de café forte e um prazeroso cigarro como de costume.

Há tempos não caminhava no parque, foi até lá respirar ar puro e pisar na grama sem sapatos. Renovação para iniciar novos projetos. Sentou-se no banco ao lado de um canteiro de lavanda e verificou novos e-mails em seu celular.

DIREITOS AUTORAIS DE LAFFAYETE CAPELLA: “Prezado Editor Soriano Honorato, aqui é Laffayete Capella, você produziu meu livro ‘Memórias Depressivas’ dez anos atrás, quero meus direitos autorais imediatamente. LC”.

Soriano não se recordava direito da publicação, afinal, nos anos de editora, havia trabalhado em mais de uma centena de obras. Puxou pela memória e acabou lembrando. Uma história um tanto peculiar. Naquela época, quando a editora era menor, na região da Avenida Paulista, foi procurado por Eliete Capella, querendo edição nos textos de seu filho Laffayete. “Ele é um escritor de mão cheia, mas sofre de esquizofrenia e depressão crônicas, talvez publicar seus poemas possa levantar sua autoestima”, disse a Soriano. O trabalho foi definido: a editora auxiliaria na revisão, diagramação, capa e designe do livro, cobraria por isso, e todos os custos de impressão ficaram a cargo da mãe. Cem porcento do valor das vendas também ficaria com ela. E assim foi feito.

RE: DIREITOS AUTORAIS DE LAFFAYETE CAPELLA: “Prezado senhor Laffayete Capella, relativamente à sua obra, não há direitos autorais a serem pagos, todos os lucros ficaram com a senhora sua mãe, sendo que a editora foi contratada apenas para fazer a edição da obra. Atenciosamente, Soriano Honorato”. Mais uma respiração profunda, mais uma, mais uma. O editor se pôs ao sol, relaxando em paz.

LIGAÇÃO DE GOSTOSA:

– Alô.

– Oi amor!

– Oi linda, tudo bem?

– Tudo bem sim. E aí? Conseguiu descansar?

– Como nunca! (risada)

– Que bom. Nosso jantar tá de pé?

– Claro que sim. Te pego às sete. Te amo.

Soriano conheceu Emília na USP, onde ambos lecionaram. Ele na faculdade de letras e ela na de psicologia. Demoraram anos para se reencontrar e, há sete meses, estavam namorando. O editor havia sido casado três vezes. Resistiu enquanto pôde a outro relacionamento, mas com Emília a coisa era leve, sem cobranças. Naquela noite saíram para comemorar a conclusão do trabalho.

Foram a um restaurante descolado na Vila Madalena. Soriano puxou a cadeira, ordenou o vinho e ficaram horas conversando às risadas. Ela foi ao banheiro logo após o café, enquanto a conta não chegava. O editor aproveitou para conferir sua caixa de mensagens.

RE: RE: DIREITOS AUTORAIS DE LAFFAYETE CAPELLA: “Seu canalha, acho que não entendeu. Você me deve e, se não pagar, vou te matar. LC”. Pensou na hora ser apenas uma ameaça vazia, sabia dos problemas psiquiátricos de Laffayete, no dia seguinte tentaria encontrar os contatos da mãe para relatar os fatos e esclarecer tudo. Emília voltou do banheiro e percebeu o semblante de Soriano.

– Tudo bem, amor?

– Tudo sim, só um probleminha de trabalho.

– A essa hora? Relaxa, pelo menos essa noite. Aliás, vou te fazer relaxar. Vamos pra minha casa – ela sorriu com segundas intenções.

Sexta-feira foi o dia para Soriano colocar todos os outros trabalhos em ordem. O livro de suspense havia atrapalhado todo cronograma das demais edições. A equipe tinha resolvido boa parte da demanda, mas Soriano gostava de rever tudo e dar seu aval a cada obra.

RE: RE: RE: DIREITOS AUTORAIS DE LAFFAYETE CAPELLA: “Não vai me responder não, vagabundo? Não estou brincando. Vou acabar com a sua vida. LC”. O editor se esquecera de responder. Os e-mails começaram a incomodá-lo. Apesar da doença mental, nada justificava as ameaças de morte, especialmente porque Soriano não devia nada a ele.

Começou a procurar os contatos da mãe de Laffayete e, no antigo fichário, encontrou o telefone da empresa Capella Bolsas e Cintos Ltda. “Esse número de telefone não existe”. Recorreu, pois, à internet. Fez pesquisas em nome de Laffayte e de Eliete Capella.

MANCHETE DO JORNAL DA REDE: “JOVEM CONFESSA TER MATADO A MÃE A FACADAS”. “Puta que pariu…”, pensou Soriano, “tô fodido de verde e amarelo”. A questão maior era como convencer o maluco de que ele não tinha nada a ver com direitos autorais, que a editora não ficara com nenhuma importância na venda de livros e tão-somente com os honorários para a produção.

– Alô, Eduardo?

– Sim.

– É o Soriano Honorato, tudo bom? Produzi seu livro de Direito Penal, tá lembrado?

– Claro que sim, Soriano. Tudo bem com você? Quanto tempo. A que devo a honra?

Soriano expôs todos os detalhes da história, da produção do livro à matéria sobre o matricídio e às ameaças por e-mail.

– Que situação, meu amigo. Evidentemente que esse cara é perigoso, vou tentar levantar a ficha. De todo modo, tenta não dar trela e se proteja, redobre os cuidados.

Eliete estava na empresa, organizando os pedidos para serem entregues no fim do ano. Sua cabeça andava cheia, ante a frequência de surtos psicóticos do filho. Em conversa com o psiquiatra, a orientação foi de interná-lo com brevidade, não se sabia onde os rompantes de agressividades poderiam chegar.

“Eliete, terminando minha última consulta eu te ligo e combinamos o dia e horário para a equipe de enfermeiros ir buscá-lo”, escreveu o médico em mensagem de texto.

Por volta das sete da noite, já em casa, Eliete assistia televisão com o filho, quando o telefone tocou. LIGAÇÃO DE DR. MARVIN. Foi até o quarto para que Laffayete não escutasse a conversa.

– Oi doutor – ela atendeu falando em voz baixa.

– Eliete, boa noite, desculpa o horário, fechei o consultório só agora. Então, conforme conversamos, o processo de internação compulsória pode ser bastante traumático, de maneira que devemos fazer tudo com muita cautela para amenizar o sofrimento.

– Ai, doutor, será que tô fazendo a coisa certa? As crises estão bem fortes, mas é um menino tão bom. Fazer com que ele se interne, ainda mais à força, vai ser muito duro.

– Eu entendo, não é nada fácil, ainda mais pra quem é mãe, mas confie em mim, tenho experiência e sei que, se não houver internação, as chances de acontecer algum acidente são grandes.

– Tipo o quê, doutor?

– Por exemplo, ele pode machucar alguém.

– Não acredito que meu menino possa machucar alguém hoje em dia, sinceramente não acredito. Só tá passando por uma fase difícil.

– Confie no que eu digo, Eliete, interne o Laffayete, antes que algo ruim aconteça.

– Ok, doutor. Então vamos interná-lo, pode marcar pra quinta-feira, vou preparar as coisas.

– Mãe? Você tá pensando em me internar? – o rapaz apareceu com os olhos vermelhos e dentes travados.

– Oi, meu amor, a mamãe estava falando com o médico, talvez seja o melhor a se fazer, meu anjo, você anda muito tristinho, vai ser bom.

– EU NÃO VOU – ele urrava.

– A mamãe vai te ajudar, vou com você lá, o lugar é lindo, com um monte de árvore, você vai adorar.

– EU NÃO VOU – ele correu para a cozinha. Eliete foi atrás.

– Anjinho, deixa eu te expli…

A primeira facada foi na região do intestino. A segunda no peito. A terceira e a quarta no pescoço. Quando a mãe caiu, a derradeira nas costas. A cena fez com que Laffayete perdesse a consciência, acordou já algemado na cela da delegacia.

DOSSIÊ LAFFAYETE CAPELLA: “Caríssimo Soriano, boa tarde. Conforme conversamos, seguem alguns apontamentos do meliante: 1. Ficou sob medida de segurança por conta da morte da mãe durante oito anos; 2. Tem histórico de surtos psicóticos e agressões quando adolescente; 3. Passou por cinco médicos psiquiatras e por três clínicas quando teve crises fortes; 4. Está com paradeiro desconhecido desde que foi liberado do sanatório e não tem comparecido ao fórum, descumprindo há meses a ordem do juiz. Conte comigo para o que precisar. Abraços do EDUARDO PEREIRA”.

Soriano se assustou com as informações e a paranoia passou a persegui-lo. Andando na rua para almoçar no restaurante de sempre, olhava para trás e de um lado a outro. Percebeu uma motocicleta se aproximar, seu coração acelerou, esperava o pior. Era só mais um dos tantos entregadores da cidade estacionando para pegar uma encomenda ordenada por aplicativo. Um grito do outro lado da rua fez arrepiar todos os pêlos do corpo de Soriano… era apenas um amigo cumprimentando outro de maneira efusiva. “Cacete, vou enlouquecer”, o editor só conseguia pensar na ameaça de morte e no perfil violento de Laffayete.

Uma semana se passou. Nada de anormal aconteceu. Soriano voltou a viver sem pensar nas ameaças, o medo foi diminuindo, a cabeça estava no lugar e suas energias se focaram no trabalho.

– Soriano, chegou a correspondência, vou deixar na sua mesa – avisou Vanessa.

Ele estava distraído conferindo a conta de luz que chegara absurdamente alta. “Talvez pelas alongadas horas de trabalho extra no mês”, pensou enquanto olhava, sem muita atenção, as outras entregas do correio. “Mala direta, cardápio de delivery, conta da internet… o que é isso? Essa não tem identificação”, quando abriu o envelope bege, sua espinha gelou. Havia sangue numa folha sulfite com os dizeres “VOCÊ VAI MORRER”.

– Tá tudo bem? – indagou Vanessa.

– Sim, tudo sim – respondeu com o olhar fixo e a face pálida.

– Não parece, Soriano. O que houve?

Ele se jogou na cadeira do escritório.

– Fodeu, Van. Tô fodido. Vão me foder.

– Como assim? Quem vai te foder?

Soriano expôs os acontecimentos, sem nem olhar à Vanessa.

– Puta que pariu, vou tomar um uísque – disse se servindo de uma generosa dose pura, emborcando-a de uma só vez.

– Você procurou a polícia? – a funcionária perguntou.

– Tô pensando nisso. Mas será que é o melhor jeito de lidar com um psicopata?

– Vamos pensar juntos. Também acho complicado envolver a polícia, pelo menos por enquanto. Vai saber o que o maluco pode fazer. Afinal, ele quer dinheiro?

– Quer os “direitos autorais”.

– No fim, os “direitos autorais” nada mais são que dinheiro.

– Sim… se pensar por esse lado.

– Talvez seja interessante começar a negociar.

– Dar palco pra louco é foda.

Ela também colocou uísque num copo e bebeu em solidariedade.

– Foda demais.

Soriano passou dias num hotel enquanto a empresa de segurança que havia contratado terminava de instalar os equipamentos em sua casa. Vanessa deu todo suporte e acompanhou o serviço para o editor. Não conseguia dormir, apesar de não ter recebido mais nenhuma ameaça de Laffayete Cappela.

A primeira noite, após o esquema tecnológico contra invasores ter sido implantado, ainda foi em claro. O editor adentrou a madrugada pensando se procuraria a polícia ou se seria pior cutucar o psicopata. Resolveu aguardar e ficar um tempo trabalhando de casa. Quem sabe não dar ibope a Laffayete o faria esquecer da estória criada naquela cabeça doente.

Enquanto estava na sala lendo Sidarda, de Hermman Heise – pela quinta vez nos últimos dois anos – ouviu um barulho de vidro quebrando e logo o alarme disparou. Levantou em susto, o coração foi parar na garganta batendo tal qual o de um beija-flor. Com um taco de beisebol na mão, andou pela casa conferindo a eventual presença de um invasor, tentando controlar sua respiração ofegante. Não havia ninguém lá, tudo trancado e não tinha como passar pelo espaço do pequeno vidro quebrado pela pedra lançada que se encontrava no chão da sala. O telefone tocou:

– Com quem falo?

– Quer falar com quem?

– Aqui é da companhia de energia elétrica, tivemos uma queda de árvore, gostaria de saber se tá tudo normal por aí?

– Marco Polo.

– Ok, passe bem.

Era código entre Soriano e a empresa de segurança para sinalizar que tudo se encontrava tranquilo. Mesmo assim, a insônia foi inevitável. Às sete da manhã, Vanessa ligou querendo saber como o editor passara, que relatou o péssimo estado de espírito por conta dos acontecimentos.

MENSAGEM DE GOSTOSA: “Amorzinho, você anda tão distante, o que houve?” / “Nada, meu amor, só muito trabalho” / “Tô sempre aqui pra te ouvir” / “Te amo”.

– O pior, Van, é que não sei o que dizer pra Emília.

– Na boa, Soriano, essa mulher é uma chata.

– Toda mulher que arrumo você acha chata.

– Talvez a culpa seja sua. Deve atrair gente assim.

– Van, me poupe. A Emília é gente boa, tô pensando até em casar de novo.

– Pelo amor de Deus, homem. Vai fazer essa cagada mais uma vez?

– Ela é diferente das outras, nunca senti isso por ninguém.

– É só rindo mesmo. Você falou exatamente isso da Marta, da Leonor e da Magda. Fora as namoradinhas que quase te fisgaram.

– Eu sou um amante das mulheres, o que vou fazer?

– Tem que achar alguém que te ame de verdade… a gente podia ter dado certo.

– Van, somos só amigos agora, trabalhamos juntos, hoje em dia te considero uma irmã.

TIC-TAC: “Minha exigência foi ignorada. Não adianta fingir que não está lendo meus e-mails. Não vou parar enquanto não me der o que eu quero. Vou direto ao assunto: minha obra é genial, apesar de nunca ter sido compreendida por pseudointelectuais que acham que entendem de alguma coisa. E a genialidade tem valor alto. Pague o meu preço e nunca mais vai ouvir falar de mim. Exijo cem mil dólares. Caso contrário, você vai morrer… lentamente… com sofrimento e muita dor. Você tem três dias para arranjar o dinheiro. TIC-TAC, o tempo já está passando, LC”.

Soriano ficou pensando se valia a pena ceder à extorsão, afinal, nunca para por aí, ainda mais em se tratando de uma pessoa daquelas. Interessante era o valor exigido, cem mil dólares, era exatamente o que havia herdado de seu pai falecido três meses atrás. Isso queria dizer que Laffayete o estava monitorando, tinha acesso a informações extremamente íntimas.

– O que eu faço, Van? Esse cara sabe mesmo da minha vida, coisa que não teria como ele saber. Meu pai deixou isso em dinheiro, porra. Chegou a hora de procurar a polícia.

– Nem sei o que te falar, não tenho ideia do que eu faria. O duro é que esse cara já foi preso e não adiantou nada.

– Pois é, mas se for preso de novo, pelo menos vai ficar longe de mim.

– Vamos refletir por mais um dia. Amanhã a gente toma uma decisão juntos e com a cabeça mais fria.

– Como vou ficar de cabeça fria se nem tô conseguindo dormir?

– Ainda tem três dias, calma.

Lá pelas onze da noite, Soriano percebeu uma carta embaixo da porta principal. “Estou monitorando seus passos. Deixe a polícia fora disso, senão você vai morrer”. O editor puxou nas câmeras que revelaram uma figura com uma capa de chuva preta e toda encapuzada colocando o bilhete. Não teve como identificar.

Soriano olhou o celular. Duas ligações perdidas de Emília e uma mensagem: “Preciso falar com você URGENTE. Me atende!!!!!”. Tentou retornar três vezes e só caia na caixa postal, acabou por ir até o apartamento dela, sendo lá informado pelo porteiro que Emília saíra para trabalhar e não tinha voltado mais. O desespero começou a bater e o pior passou por sua cabeça.

RE: TIC-TAC: “Quem tenta se meter nos meus assuntos acaba se dando mal. Ela foi intrometida e teve que tomar uns corretivos. Mas fique tranquilo, ainda dá tempo de salvá-la, basta cumprir minha exigência. Coloque a mala com o dinheiro em frente ao túmulo da Tarsila do Amaral, no cemitério da Consolação, na sexta-feira, às cinco e quarenta e cinco da tarde EM PONTO.  LC”.

– Van, desculpa a hora.

– O que aconteceu?

– O maluco pegou a Emília, tá com ela, puta que pariu.

– Calma, Soriano. Como você sabe disso?

– Ele mandou um e-mail dizendo que ela se intrometeu no caso. Ele sequestrou a Emília, cacete, não sei o que fazer. Vou até a polícia.

– Respira. Escuta. Esse cara não tem nada a perder. Se ele descobrir que tem polícia no meio, é capaz de matar a Emília. Tô indo até sua casa.

Já passava da uma hora da manhã, eles tomavam café com conhaque. Vanessa andava de um lado a outro, enquanto Soriano, esgotado, descansava no sofá de couro.

– Que insanidade, parece pesadelo, Van – seus cotovelos estavam apoiados nas pernas.

– Bizarro, não podemos brincar com psicopata. Paga logo essa porra, Soriano.

– Meu medo é ele continuar a extorsão pra sempre, aí eu tô fodido.

– Eu conheço um policial, posso falar com ele, a gente faria uma coisa extraoficial, sem registrar nada na delegacia, quando o canalha aparecer, vai ser preso em flagrante.

– Pode ser uma boa, hein?! – o editor se entusiasmou com a ideia.

– Aí o policial entra antes de você no cemitério e fica vigiando o túmulo.

– Espera aí – ele fez uma pausa. – Como você sabe que a entrega seria no cemitério? Eu não falei nada sobre isso – indagou Soriano sentado de costas para a funcionária.

O silêncio se fez presente por alguns segundos… Vanessa tomou uma pequena estátua de bronze em sua mão e desferiu um golpe na cabeça do editor, sem que ele pudesse se defender.

Os olhos de Soriano foram abrindo devagar, com dificuldade. Sua cabeça doía e latejava. Estava sentado numa cadeira, com as mãos e pernas imobilizadas por fita isolante.

– Acordou? – Vanessa abaixou passando a mão no rosto do editor.

– O que tá acontecendo?

– Não era pra ser assim, Soriano. Eu te amei tanto, mas tanto. E fui trocada por um monte de vadia que não chega nem perto da mulher que eu sou. Fui usada como seu brinquedo sexual e depois jogada fora.

– Vanessa, puta que pariu, do que você tá falando? Você que me prendeu aqui? – ele se mexia na cadeira, tentando se soltar.

– Não teve jeito, querido, já que eu não vou ter você, pelo menos vou sair com dinheiro.

– E o Laffayete? Ele tá junto nessa?

Vanessa riu em tom alto.

– Como você é burro, Soriano. Burro pra caralho. Nem pra se dar ao trabalho de pesquisar direito, só falou com um idiota de um advogado que também não foi atrás do principal: o Laffayete se enforcou meses atrás, por isso não estava indo ao fórum. E essa informação ainda não chegou à justiça.

– E como você ficou sabendo?

– Confesso que foi uma grande coincidência. Minha manicure contou a história de um vizinho do prédio dela que tinha se matado, falou que o cara era maluco, que tinha ficado internado por matar a mãe. Numa certa altura, ela disse “tinha um nome diferente, Laffayete Capella”. Na hora me veio à cabeça o livro que editamos “Memórias Depressivas”. Como eu estava planejando uma vingança contra você, essa história veio a calhar. E cá estamos. Agora, sem mais delongas, me dá logo o dinheiro ou você e a vaca da sua namorada vão morrer.

– Como você é filha da puta. Confiei minha empresa a uma sequestradora-estelionatária todos esses anos.

– Foi como eu disse, você é muito burro. Chega de se lamentar, me diga onde tá o dinheiro e a gente acaba logo com essa lenga-lenga. Aí eu falo onde joguei a tal da Emília.

– SOCORRO! – Soriano gritou.

– Ninguém vai te ouvir, querido. AGORA ME DÊ A PORRA DO DINHEIRO.

– Tá num cofre no banco. Vai ter que esperar até amanhã, pelo menos.

– Não brinque comigo, seu merda, você me disse uma vez que não confiava em banco e que guardava dinheiro na sua casa, quer que eu te machuque mais, é? – ela foi até a cozinha e voltou com uma faca. – Prefere que eu arranque seu pau? Assim não vai mais atrair as biscates.

– Mas é muito dinheiro, Vanessa, não tem como guardar aqui.

– Ah, Soriano, Soriano… você é um péssimo mentiroso, te conheço há mais de quinze anos – ela cortou o rosto do editor, rindo enquanto o sangue escorria.

– Pelo amor de Deus, Vanessa, chega.

– Deus? Você é ateu, caralho.

– Olha, eu te dou o dinheiro, mas primeiro solte a Emília, quando ela tiver segura, eu te dou tudo.

– Você não tá em posição de exigir nada.

– Pode me matar, então.

– Se fazendo de macho, né? Vou fazer o seguinte: vou cortar sua namorada em pedaços e fazer você comer cada partezinha. Fica bom assim?

– Vai pro inferno.

– Pode até ser, mas você vai comigo – Vanessa deu uma facada no peito do editor. – Pronto, querido, agora não vai ficar com mais ninguém.

Ele agonizava.

– Xiu ­– balbuciou – acabou, relaxa, já já você vai descansar – Vanessa passava a mão no cabelo de Soriano. – Bom, você não quis me falar, então vou ter que revirar essa casa pra procurar o maldito dinheiro – suspirou.

Vanessa não teve tempo de se virar, sentiu um golpe na nuca e desmaiou de imediato. Emília quem dera uma paulada na sequestradora. Estava ensanguentada e mancando, havia conseguido escapar do porão da casa que serviu de cativeiro.

– Amor, calma. A emergência já tá chegando, calma – disse enquanto o desamarrava e o apoiava para fugir dali.

Um mês depois, Soriano estava se recuperando bem da facada, Emília o ajudava em tudo na casa, acabou se mudando para lá desde o incidente. O telefone tocou:

– Alô.

– Oi Soriano, boa tarde. É o delegado Khalil. Vamos tomar mais uma vez seu depoimento, ok? Precisamos de mais pistas pra achar a senhora Vanessa Gonzaga. Ela não deixou nenhum rastro e tá completamente desaparecida.

– Ok, doutor. Ainda tô bem receoso.

–Fique despreocupado. Pela minha experiência, acredito que ela tenha fugido pra bem longe. Agradeço sua colaboração.

– Eu que agradeço seu empenho, doutor.

Emília saiu da cozinha comendo uma maça.

– O que ele queria, amor?

– Ainda não acharam a maluca, quer que eu vá até a delegacia pra ajudar com outras pistas.

ESTIMAS MELHORAS: “Olá, querido, espero que sua recuperação esteja indo bem. Já já vou te visitar. Um beijo com saudade, LC”.

 

*nota

Pedro Fleury

“Retome o hábito da leitura. Contos impactantes. Textos com humor. Escrita de qualidade.”

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