Era domingo, havia voltado da missa das seis. Mecanicamente fiz o sinal da cruz ao entrar em casa. O tumor estava latejando. Há um tempo não me deixava quieto, fazendo questão de lembrar que estava lá. A doença me acompanhava há dois anos, eu já estava desenganado. Quis deitar no sofá com a minha mulher, quem sabe fosse a última vez que poderia fazer isso, talvez não acordasse no dia seguinte. Peguei uma manta e tirei os sapatos. De repente apaguei.
…
“Tum, tum, tum, tum”. Comecei a ouvir intensos toques de tambores. Meus olhos foram se abrindo com bastante dificuldade, grudados pela secreção lacrimal. À minha frente, uma grande fogueira aquecia o ambiente ao ar livre onde agora me encontrava.
De início, olhei para cima e reparei na quantidade de estrelas, que formavam uma coberta prateada no céu. Depois, abaixei a cabeça e vi que na minha pele havia desenhos pintados em preto, como se houvesse sido submetido a várias sessões de tatuagem.
Aos poucos consegui explorar o ambiente com os olhos. Em volta da fogueira, sentados de pernas cruzadas, em cantoria uníssona, homens de pele predominantemente mameluca, com cocares coloridos.
Uma tribo, uma aldeia, uma reserva, não sabia ao certo, mas restou evidente que era uma espécie de ritual. Notei um recipiente de barro com líquido de odor forte dentro dele, talvez a base de ervas. Bebi um gole e senti minha alma se desgrudar do corpo. Logo apaguei de novo.
…
Nunca tinha ouvido ruídos tão diferentes. Além deles, fui despertando com o ardor do sol. Estava me sentindo leve, descansado e energizado. Levantei a cabeça e percebi as cinzas da fogueira do dia anterior.
Vi dois pequenos índios na beira do rio correndo um atrás do outro. Sorrisos fáceis, como se não precisassem de nada além daquilo. Seu pedaço de chão era o que bastava. As edificações em madeira denotavam humildade, nada de luxo, mas muita felicidade.
Curioso mesmo eram as palhas douradas espalhadas por todo lado. Pareciam e reluziam como ouro. Fui chamado por um índio forte, que dava a impressão de me conhecer há tempos. Eu estava me sentindo em casa, sem medo e qualquer espécie de estranhamento.
Meu encontro foi com um sujeito coberto pelas palhas, da cabeça aos joelhos. Ele falava numa língua que eu nunca ouvira, porém, não sei como, entendia tudo.
– O ritual está completo e a cura veio. Siga com sua força. Índio não desiste de lutar.
…
Me vi novamente em casa, no sofá, abraçado à minha esposa. Não mais sentia o tumor, tampouco o desconforto de outrora.
– Marta, tive um sonho estranho. Fui parar numa tribo cheia de palhas que pareciam ouro. Tinha um homem misterioso, falou que me curou. E eu não estou mesmo sentindo mais nada.
– Curou de quê, amor? Fomos ao médico na sexta-feira. Sua saúde está de ferro.
Não sei explicar o que aconteceu, só sei que, desde então, sinto a força dos índios, sua energia e, toda noite, viajo para a minha linda aldeia dourada.