NOITE DE NATAL

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Mais uma vez a noite de Natal vai ser na minha casa. Eu sempre fiz questão da família reunida, confraternizando em volta da mesa com muita alegria… ou quase… sabe, né?, toda família tem seus probleminhas. Nesse ano tudo vai ser perfeito. Temperei o peru com antecedência, o tender já está no jeito e chegou a lasanha de funghi que encomendei com a dona Natalina, vizinha (tudo a ver com Natal).

Meus filhos, Jaime e Jane (quatorze e treze anos), meu marido Leon (não é muito de Natal, é mais da televisão acompanhada de amendoim e cerveja), meu irmão Manoel Carlos e minha cunhada Marissol (confesso, um pouco inconvenientes… mas Natal é tempo da família), meu sobrinho Pedrinho, oito anos (danado) e eu, Zuleica, que arrumei tudo sozinha com muito amor e carinho.

Acabei decorando a árvore sem ajuda de ninguém, Jaime sempre no videogame e Jane no celular com as amigas… crianças são assim mesmo… e eu amo deixar tudo no espírito natalino, guirlanda na porta, luzinhas, papai noel que dança e música da Simone à postos… que lindeza!

Minha cunhada mal chega e desata a falar, nem me dá oi… é trabalho, férias, peraltices do Pedrinho… nem ligo para a indelicadeza… é Natal, afinal. Me entrega uma sacola com um panetone vagabundo que ganhou de brinde no shopping, “presente”, fala.

“ZULEICA” grita meu marido Leon “traz cerveja gelada, essa está uma porcaria”. Puxa, como fui me descuidar na cerveja, a noite tem que ser perfeita. Agora sim pego uma bem do fundo do freezer. Ele nem agradece, está vendo o especial de Natal na TV… mas eu nem me importo.

Peru e tender no forno. Delícia! Vou até a sala ficar um pouco com eles. Pedrinho não para de correr… e nada dos pais colocarem limites. Mas Natal vale tudo. “Benzinho, vai devagar, lindinho, não corre tanto”, falo ao querido sobrinho… e ele não para… ah, não! O pestinha dá um chute na árvore… tem cacos de bolinhas para todos os lados. Moleque sem noção. Justo a árvore que me deu tanto trabalho para montar… e sozinha, não teve um para ajudar.

Finalmente limpo tudo. Meu irmão tenta justificar que criança é assim mesmo. E é Natal. Verdade, é Natal. Ah meu Deus, toda confusão me fez perder o tempo de forno. Cacete, queimou o peru. “ZULEICA, QUE CHEIRO É ESSE?”, berra meu marido Leon. “O peru deu uma pegadinha no fundo, vou resolver”. Raspo o máximo que posso, acho que dá para salvar. Ai, ai. As coisas não estão saindo do jeito que eu quero.

Minha cunhada entra na cozinha. “Puxa, peru queimado, eu devia ter ido passar na minha mãe em Cornélio Procópio”, ela ri. Que senso de humor, não?, reflito. Ela pega o espumante na geladeira. “Ai!”, é só o que escuto antes da garrafa se espatifar no chão. “Também, você deixou bem atrás das coisas, acabou esbarrando no tupperware”, fala. E ainda coloca a culpa em mim… vaca.

Anuncio o jantar: “A ceia está na mesa, venham todos, venham crianças”. Eles descem as escadas. “Bom vamos começar as orações”. Iniciamos o Pai Nosso. “…Perdoai as nossas dívidas”. “Não é dívidas, é ofensas”, meu filho Jaime interrompe as orações. “É dívidas, imbecil”, retruca minha filha Jane. “Você não sabe nem rezar, sua burra”, “você que não sabe, idiota”, “você foi achada no lixo, nem é da família”, “não fui não, seu gordo”. “CHEGA!”, grito, “não importa se é dívidas ou ofensas, vamos tentar ter a porra de um Natal em paz, cacete!”. Silêncio. É Natal, mas tudo tem limite. “Agora vamos terminar a oração e cear”, falo. “Que molecada sem educação”, lança Manoel Carlos baixinho. “Sem educação?”, retruco, “E o capeta do seu filho? Deu uma bica na minha árvore e vocês nem pra pedirem desculpas. Inferno de Natal! Vamos comer essa droga e acabar logo com isso”. E o jantar está indo nesse clima anti-natalino.

Sirvo o pavê. “Mas é pavê ou pacomê?”, comenta meu irmão. E depois de devorar três pratos, emenda: “Até que não estava ruim, mas não vai servir nem um digestivo pós-sobremesa?”. Vou à despensa, pego uma garrafa de licor e a bato na mesa. “Toma logo essa merda”. Ele sorri irônico. “E os presentes?”, as crianças perguntam. Começamos a trocar as lembrancinhas. Ganho um avental, grampos para o varal e um par de meias. “Mãe, eu não queria esse jogo, queria o de guerra, que saco!”, Jaime fica emburrado. “E eu não tenho mais idade pra boneca, vocês não sabem nada, odeio vocês”, Jane se tranca no quarto. Enquanto isso Pedrinho dá escândalo porque quer um skate. Meu irmão e minha cunhada xingam o moleque e meu marido continua no sofá, comendo amendoim, tomando a décima cerveja e assistindo Máquina Mortífera III pela milionésima vez.

“CHEGA!”, grito, “vou avisando: é a úl…”, todos continuam minha fala “última vez que faço Natal”. Nos despedimos após o café. “Foi ótimo, querida”, diz minha cunhada. “Tchau, mana”, meu irmão segura o Pedrinho dormindo em seu colo. Leon está bêbado, dormindo no sofá e as crianças enfurnadas no quarto. Acabo a noite lavando uma pilha de louças e pensando “ano que vem tem mais”. Que linda noite de Natal!

Pedro Fleury

“Retome o hábito da leitura. Contos impactantes. Textos com humor. Escrita de qualidade.”

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