Numa das férias que passei em Maricá, no sítio do meu colega de primário, Henrique Monteiro, todo fim de tarde sumia uma vaca. E a garotada saía, calçando botinas e munida de lanternas, atrás de desvendar o mistério. Os pais de Henrique incentivavam a missão, insistiam para que fôssemos o mais distante possível da sede em busca da vaca desgarrada. “Deve ser alguém que furta o gado”, foi aí que nos ensinaram o termo “abígeo”. Na empreitada nos deparávamos com as mais diversas aventuras, víamos outros animais, cobras, escorpiões, aranhas, tudo muito diferente do universo dos garotos da cidade, contando com a experiência e conhecimento do caseiro, que ia nos guiando naquele tour rural. No caminho pelo pasto, iluminávamos o chão para não pisar nos buracos e desviávamos dos enormes formigueiros que se formavam em meio às montanhas de estrume seco.
– A que sumiu foi a Sara Lee, a vaca malhadinha – o caseiro deu o alerta, durante uma das buscas, para a garotada identificar o animal vítima do furto abigeato.
Não deixava de ser uma diversão. O atravessar de cercas rendia boas risadas, especialmente quando o Henrique, gordinho, encontrava dificuldade na tarefa. Se desequilibrou uma ou duas vezes e seu traseiro se estatelou no chão. A molecada não perdoou, passou a chamá-lo de “bunda de lama”.
No quarto dia, comecei a desconfiar. Na propriedade não tinha nem uma dúzia de vacas. Eles diziam que todo dia sumia uma, mas a quantidade não mudava. Desde quando pisei no sítio, o cenário era igual, os animais eram exatamente os mesmos, continuavam mugindo, ruminando e, o mais importante, não haviam sumido. O tal abígeo talvez nunca tenha existido.
No fim de tarde, voltou a ladainha: “Sumiu mais uma”. Sei que ser imbecil é mais fácil. Podia ter deixado pra lá e seguido o grupo, mas não descansaria até descobrir a verdade. Fingi que estava amarrando o tênis. “Já alcanço vocês”. Fiquei para trás. Fui sorrateiro à sede, na ponta dos pés, não podia ser visto. Alguma coisa estava muito errada ali. Os pais de Henrique faziam barulhos estranhos no quarto. Variavam entre sons baixos e altos agudos. A mãe dizia entre gemidos:
– Isso, vem, meu tourão! Cuida bem da sua vaquinha.
Eu sabia! Eles só queriam um pouco de paz e inventaram a estória do abígeo. Sara Lee estava bem cuidada e fora de perigo.