A imagem daquela mulher balançando pra frente e pra trás não sai da minha cabeça. Ela cantarolava repetidamente Down in the River to Pray, como se estivesse hipnotizada, sentada na poltrona vermelha em contraste com a parede branca. Tinha cabelos raspados e olheiras profundas, com foco no além.
Ela não respondia a nenhum chamado ou estímulo, insistia na canção que passou a ser infernal durante meus plantões. Decidi ir à fundo na história dela, sobre o que se passava em sua mente e como havia chegado ali.
…
Com doze anos, sentada na banheira, Veridiana sofria enquanto sua mãe, Marisa, penteava seus longos cabelos cacheados. Tentava alisá-los com toda força, as veias saltavam do braço. A cada escovada, Marisa achatava a boca, sem, porém, deixar de cantarolar a canção… “Ô sinners let’s go down, let’s go down, come on down, ô sinners let’s go down, down in the river to pray”. Toda vez que um tufo era arrancado e o sangue escorria, Veridiana gritava… e apanhava.
– Menina idiota, sabe que o Senhor não gosta de cabelos assim cacheados, temos que agradar ao Senhor.
Marisa tinha cabelos extremamente longos e escorridos, lisos e finos como folha de papel. Praguejava: “Por que, Senhor, por que ter uma filha amaldiçoada?”.
Todo dia Marisa recebia uma visita à noite. Pensava que Veridiana estaria dormindo, quando na verdade a menina a observava, acompanhava por detrás da porta cada homem que se deitava com sua mãe.
– Tire o pecado deste homem, Senhor – Marisa falava durante o sexo.
…
EXTRA, EXTRA. MULHER É ENCONTRADA AFOGADA EM BANHEIRA.
Larry era quem mais frequentava a cama de Marisa. Os vizinhos o apontaram como suspeito. Naquela noite, ele foi visitá-la. Foi o primeiro interrogado.
“Ela falava muito mal da filha, dizia que era um castigo de Deus”.
Vicky, a irmã, também fora vista ali. Relatos apontavam que saiu cambaleando, como se estivesse embriagada.
“Minha sobrinha era um estorvo na vida dela”.
O leiteiro, Samuel, igualmente tinha passado lá durante o dia. Ficou bastante tempo e arrumava a camisa ao deixar a residência.
“Não tinha uma vez que eu entregasse leite que ela não reclamasse da menina”.
Chegou a vez de Veridiana.
“Mamãe era brava. Era temente ao Senhor e dizia que eu também deveria ser. Mas por que meus cabelos? Ela me machucava, escovava até tirar meu sangue. Meus lindos cabelos cacheados…”.
No local do crime a polícia encontrou resquícios de um líquido branco, concluiu-se que era leite. Também havia uma garrafa de Jack Daniel’s pela metade. Além de um relógio, pertencente a Larry. A marca no pescoço da vítima era inconclusiva, poderia ter sido feita por qualquer um.
Dave, o investigador-chefe, suava na cena do crime.
– Vou vasculhar as gavetas do quarto, chefe – disse um dos policiais.
– NÃO! – gritou. – Eu tenho mais experiência, vou fazer isso pessoalmente.
– Mas, chefe, o senhor…
– Já disse que não. É uma ordem.
O policial achou estranho, o chefe nunca colocava a mão em nada, só mandava e saia do local. Todos sabiam como o investigador era preguiçoso, a conduta não batia com seu agir natural. Mas o policial não iria contestar seu superior.
Dave foi logo onde interessava, na segunda gaveta do armário. Lá tinha um uniforme policial com seu nome, era a tara de Marisa. Colocou numa sacola e andou apressado ao carro.
– Achou alguma coisa, chefe? – indagou o policial.
– Nada relevante – saiu sem olhar pra trás.
A partir dali os investigadores perderam os indícios.
Entretanto, o caso que tanto repercutira na comunidade não podia ficar sem solução. As autoridades cobraram Dave, que teve que corresponder de alguma forma.
Veridiana, a garota de olheiras profundas e cabeça ferida por baixo dos cabelos cacheados foi considerada culpada pelo júri.
…
Eu cheguei ao plantão na casa psiquiátrica do condado. Observava a mulher, há anos internada, balançando pra frente e pra trás, sentada numa poltrona vermelha em contraste com uma parede branca, presa por uma camisa de força. “Ô sinners let’s go down, let’s go down, come on down, ô sinners let’s go down, down in the river to pray”.