O MONGE E O CAPIAU

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Zé Cocheiro visitava a capital pela primeira vez. Havia sido contratado como caseiro e estava ansioso por iniciar sua nova vida. Nunca tinha visto tanta gente junta, prédios espelhados, ruas com três faixas de cada lado. Na região onde trabalharia, avistou uma linda edificação, um templo budista. Logo um monge vestido de amarelo, com feição sisuda, se aproximou do capiau, que se surpreendeu com os trajes, trejeitos e a cabeça inteiramente raspada. Seu moço, sabe que lá na roça o Chico do Mercado também é careca, mas tem um pouco de cabelo dos lados, todo pelado assim eu nunca vi. – O monge estava sério, não havia gostado da observação. –  É a tradição da filosofia budista, tudo tem um porquê, uma explicação, mesmo assim vivemos em paz, com leveza e muita meditação. Lá na roça a gente também vive em paz viu?! Cigarrinho, cachacinha, rede… mas tem muito trabalho, muito terreno pra carpir. Só não conheço essa tal de meditação, vai bem com limãozinho galego? – O monge suspirou fundo. – Na verdade, meditação é um estado mental de relaxamento que eleva o espírito. Ah, seu moço, não mexo com esse negócio de espírito não, lá na minha cidade tem uma história da velha que pede cigarro na ponte, mas na verdade o povo fala que é um espírito – o capiau fez o sinal da cruz. –  Nossa Senhora que me livre. – O monge bufou. – O senhor não entendeu, não é que aparece um espírito, é uma questão de espiritualidade, como nos ensinamentos de Buda. Ih, rapaz, na minha bunda ninguém mexe não, aqui é espada, cabra macho. Não é isso, é Buda, o grande inspirador da nossa filosofia – o religioso estava um pouco impaciente. – Fique à vontade para conhecer o templo. Quanto tempo? Templo, e não tempo. Vixi, quanta coisa complicada que você fala… tô vendo aqui, dá pra fazer uma boa costela de chão, hein?! – o capiau apontou para o gramado. – Não, não, aqui somos vegetarianos, nada de carne. Não come carne? E como faz? Na verdade, grande parte do tempo fazemos jejum. Ué, não entendi. Jejum quer dizer que ficamos algum tempo sem comer. E eu que nunca comi esse tal de jejum. Não, meu amigo… bom, esquece – o rosto se franzia cada vez mais – quer fazer a visita guiada? Ih, seu moço, eu não tirei carteira não, só guiava na fazenda mesmo. O senhor está confundindo tudo – o rosto do monge denunciava seu mau-humor – quero saber se deseja ir acompanhado no passeio. Pelo amor de Deus, seu moço, tenho esposa, não fico me engraçando com outra mulher não. Bom… então fique à vontade na visita. – O capiau não perdeu tempo, se encaminhou ao rio que passava pelo local, tirou a roupa e pulou na água. – Por favor, amigo, você não pode ficar nu e nadar aí – o monge gritou. – Mas eu tô à vontade como você disse. “Paz interior, paz interior, paz interior” – pensava o religioso, inspirando e expirando o ar. – Vem, seu moço, pula que a água tá boa. Quer saber… – o monge tirou os trajes e pulou no rio, abrindo um largo sorriso. – Aí, rapaz, para com essa pose, tem que ser feliz. Esse é o ensinamento maior de Buda. Ó você de novo com essa história, dessa vez preciso tomar mais cuidado que a minha tá descoberta.

No fim, mais vale um monge de bunda de fora que com cara de bunda!

*nota

Pedro Fleury

“Retome o hábito da leitura. Contos impactantes. Textos com humor. Escrita de qualidade.”

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