Há dois anos, desde que mudei para a nova casa, tenho o costume de ir ao bar da esquina, pelo menos duas vezes por semana, tomar caipirinha e espairecer. Poucas vezes exagero, normalmente paro no primeiro ou segundo drinque. Depois de um mês atolado de trabalho, viagem atrás de viagem, sem conseguir sequer dar uma paradinha no bar, finalmente aportei à minha mesa favorita.
Logo percebi que um velho, tomando cerveja, me encarava, nunca o tinha visto lá, era magro, com pouco cabelo e sobrancelhas finas, quase imperceptíveis. Começou a vir em minha direção, desviei o olhar, não gosto de conversar quando estou ali, é meu momento de introspecção, meditação e relaxamento, o meu único contato é com o Zé Luis, garçom, mesmo assim com poucos sorrisos e palavras.
O velho chegou à beira da mesa e pediu permissão para se sentar, fiquei sem jeito de recusar e apontei à cadeira.
– Oi garoto, valeu por me deixar ficar aqui com você. Sabe, não sou do bairro, tô de passagem, não gosto de beber sozinho. GARÇOM, TRÁS MAIS UMA PRA MIM. Uma cervejinha é bom, né?! Gelada então, melhor ainda. No Mato Grosso sai até tiro por causa de cerveja quente, Deus me livre, não se serve nem pra inimigo. Conheço bem lá, fui caminhoneiro, viajei todo esse Brasilzão, hoje tô aposentado, posso tomar uma quando tenho vontade. Trabalhei muito, cara, a vida na estrada não é fácil, mas, também, eu nunca quis estudar, e, como dizia meu avô, quando a cabeça é pequena, a coxa é grossa… veja o tamanho da minha. Se existir outra vida quero nascer funcionário público, maior de idade e reservista. Imagina que sossego! Na verdade, agora, com a aposentadoria, não posso reclamar. Aliás, depois que fiquei brocha muita coisa melhorou… só tenho ereção matinal, aquela ereção de mijo. Se eu tivesse nascido brocha muito problema teria sido evitado, quase todos os problemas que tive na vida foram por causa de sexo. A não ser um filho que tenho, pena que ele não me conhece, fiz muita cagada, sumi no mundo. GARÇOM, TRÁS UMA CACHACINHA. Cachaça com cerveja é bom demais, o duro é que dá um fogo danado. Se você pensar, uma é pouco, duas é pouco. Três é bom. Quatro é pouco, cinco é pouco, e assim nós vamos até o dia amanhecer. Ah, no fim a trajetória é boa, temos que aproveitar e dar risada. Sabe o que sinto quando vejo um jovem igual a você? Saudades do filho que pouco conheci, vi uma vez quando era um bebê, deixei a mãe cuidando do moleque sozinha. Como fui bundão! Era jovem e irresponsável. Só queria dizer pro meu filho o quanto eu sinto por ter abandonado minha família. Como velho fala, né?! É que a gente tem muita história pra contar, muita experiência pra passar. Olha lá, o chapeiro coça o saco e pega no queijo… é por isso que eu bebo, quem vive sóbrio leva as coisas muito a sério. Escuta meu conselho, sempre quando o relógio bater meia-noite e você ainda estiver no bar, tome uma decisão rápida. Meia-noite é cedo pra chegar tarde e tarde pra chegar cedo. Eu dou risada, porque queria ter contado todas essas bobagens pro meu filho. Aproveite a vida, garoto, como eu aproveitei a minha. Quis me apresentar pra você saber um pouco mais sobre mim, não tenho ninguém pra contar minhas bobagens… e vai saber até quando vou ficar nessa terra. A propósito, meu nome é Jaime, foi um prazer finalmente te conhecer – ele se despediu me dando a mão.
Não entendi nada, o sujeito não deixou sequer eu falar… coitado, deve ser sozinho no mundo, não tem com quem conversar.
– Zé, quem é o cara?
– Sei lá, há uma semana ele vem todo dia aqui, encosta no balcão, toma cerveja, não conversa com ninguém, fica algumas horas e depois vai embora.
…
Fiquei sabendo que dois dias depois daquele encontro o velho do bar morreu. Ele se apresentou para mim, mostrou o rosto, contou histórias e bobagens, quando sabia que ia morrer, o câncer estava espalhado por seu corpo. Frequentou o bar durante toda sua última semana de vida apenas para me olhar no olho, pegar na minha mão e mostrar quem era. Gostaria muito de o ter conhecido antes e saber que, na verdade, ele era meu pai.