Lembro da primeira vez em que fui ao cinema com uma garota. A gente tinha treze anos, era da mesma classe. Magda, de olhos grandes iguais a jabuticabas, usava aparelho nos dentes, assim como eu.
Dei um trato no visual, coloquei gel no cabelo, fiz um belo topete. Meu irmão mais velho tinha me dado várias dicas, em especial “não vai bater seu dente com o dela”. Saí de casa com a minha mãe, entramos no nosso Santana Quantum vermelho e fomos buscar a garota. Ela morava a três quarteirões da gente, pertinho do colégio.
“Oi tia”, ela falou ao entrar no carro. Percebi que tinha feito trança e passado perfume, vestia uma blusa que marcava os seios, nunca tinha reparado neles quando ela usava uniforme.
Nós dois estávamos tímidos e minha mãe fazia de tudo pra quebrar o gelo, não deixou o silêncio tomar conta do percurso nem por um segundo. “Sabia que o Laurinho fez xixi na cama até 9 anos? Tadinho, tem medo de escuro até hoje. Dorme na minha cama quase toda noite”. “Mãe, para”, eu falei por entre os dentes. “Ah, filho, é normal, toda a criança tem suas dificuldades. Mas agora você é um pré-adolescente, já é quase homem”. “Mãe, por favor…”
Quando deixou a gente no shopping, lançou o derradeiro “não vai ficar tirando meleca na frente da Magda, hein?!”. Quase dei meia-volta.
“Qual filme a gente vai ver?”, ela perguntou. “Que tal Missão Impossível?”, sugeri. “Ótimo. Eu adoro o Tom Cruise”. Confesso que senti um ciúme dele. Não usava aparelho, não tinha espinha no rosto, era um galã consagrado. E eu… bom, além de não ser nenhum Tom Cruise, ainda tinha a desvantagem de ter alguns dos meus segredos mais constrangedores revelados pela minha mãe.
Como a Magda não tinha fugido até aquele momento, eu ainda nutria um pinguinho de esperança de ganhar um beijo. Paguei o balde de pipoca e comprei uma bala de menta (“vai quê”, pensei).
Sentamos bem no fundo da sala escura. Trailers e mais trailers, dividimos a pipoca, olhando fixamente pra frente. Como eu ia pedir um beijo? Era só beijar e pronto? Tinha treinado muito no espelho, mas era diferente a teoria da prática…
Começou o filme. Percebi que ela sorriu quando a câmera deu um close no Tom Cruise enquanto escalava a montanha. De novo ele… como eu competiria com o desgraçado?
Cena vai, cena vem. Puxa, ela não tinha me dado nenhuma brecha pro beijo. O filme não ajudava. Barulho, sangue, Tom Cruise, enfim, tudo atrapalhava o meu momento de brilhar.
Fingi me espreguiçar e passei o braço por cima das costas dela. Fui encostando bem devagar. Ela não reclamou. Cheguei um pouquinho mais perto. Ela continuou vendo o filme como se nada tivesse acontecido.
O filme tinha acabado, as luzes se acenderam. Magda olhou pra mim e eu pra ela. Quando fui me arriscar, ela se antecipou: “Laurinho, será que você pode me apresentar seu irmão? Ele é um gato”.
Fui dar meu primeiro beijo anos depois. Numa jogada de sorte, na brincadeira do “pêra, uva, maça ou salada mista”, fui sorteado pra beijar a Elaine, a menina mais estranha da escola.
Magda é minha cunhada até hoje. Teve dois filhos com o meu irmão. E eu, casado com a Elaine, fiquei com trauma de cinema e nunca mais consegui ver um filme do Tom Cruise… sempre imagino como seria se eu tivesse casado com a chata da Magda.