De costas para a porta, sentado no banquinho do bar, estava um rapaz fantasiado de coelho. A grande cabeça encontrava-se no chão, ao lado dele.
Era fim de domingo, tomava kariri com mel e limão – também conhecido como “o santo daime brasileiro” – após encerrar suas atividades de Páscoa no shopping. Estava puto, as crianças saquearam sua mochila, levaram todos os chocolates e deram-lhe um chute no saco. Só bebendo muito para aguentar seu segundo ano como coelho.
Após o divórcio, precisava se virar para pagar pensão, seu trabalho de mecânico não era suficiente e a ex-mulher pegava pesado no processo. Estava mais fácil para ela, que tinha casado com um advogado. Tirava o sangue do ex na disputa judicial e não dava nenhuma trégua.
Ele achava um inferno seus bicos com participação temática nas datas comemorativas, mas era o que tinha para o momento. Dali alguns meses, aliás, seria padre na festa junina de um colégio e, pela experiência do ano anterior, os candidatos a coroinha eram encapetados. Para se ter ideia, o flagraram no banheiro, com dor de barriga depois de tanto quentão, e jogaram um balde d’água na cabine onde estava concentrado. “Inferno de trabalho”.
Depois, em setembro, viria o dia dos povos indígenas. No último flecharam a bunda do coitado num erro (proposital?) na aula de arco e flecha promovida pelos professores de educação física. As crianças riram: “ha ha ha, ele é da tribo flechanoânus”.
A panfletagem na romaria de doze de outubro, em Aparecida, não ficava para trás, especialmente no final, quando sobrava para ele recolher os presentinhos deixados pelos cavalos. Apelidaram-no de “Rei da Bosta”.
No Natal, seu papel era de rena. Aprendeu da pior forma a cuidar da retaguarda. “Olha a rena, mamãe, está tão tristinha, será que está doente? Vou medir a temperatura dela”. E mediu. Enfiou o termômetro, aproveitando-se da distração da rena.
Preocupado mesmo estava com a nova contratação para o dia dos Finados. Ou seria sua solução?