Quando entrei na casa de shows, na rua treze de maio, vi, à esquerda, um bar, com poucos assentos, à direita, algumas mesas, já ocupadas e, à frente, uma pista destinada aos espectadores do show diante do palco que não chegava a um metro e meio de altura.
Haviam me indicado aquela apresentação. Eu adoro rock pesado e a banda Revolução do Mao tocava como se fosse derrubar a cidade.
Sentei-me à beira do balcão e pedi uma cerveja. “Qual?”, indagou barman. “Aquela que você está guardando pra você, a mais gelada que tiver”. Ele achou graça e, de fato, a técnica funcionou, me serviu daquelas que, se pegar no meio, congela na hora. Paguei e dei uma bela gorjeta. Estava relaxado, aguardando a banda entrar. Já passava das dez da noite, horário marcado para o início.
Entrou o vocalista, era um senhor de idade bem avançada, testa que ia até a metade da cabeça e cabelos engraçados, absolutamente desproporcionais àquela esfera. Usava óculos escuros redondos e vestia traje militar esculachado, como se zombasse do exército.
A banda começou sem cumprimentar o público, e o som alto das guitarras e as batidas raivosas na bateria quase conseguiam abafar as letras entoadas em chinês. Antes de algum respiro entre os solos dos instrumentos, o vocalista dava uma golada de “baijiu”, uma espécie de cachaça típica da China.
Finalmente a banda anunciou um intervalo. Todos saíram para o camarim, com exceção do vocalista, que encostou no bar ao meu lado e, com forte sotaque, perguntou: “E aí, tá gostando?”. “Porra, se tô, puta som da hora”. Seus olhos estavam dilatados, nitidamente tinha usada alguma droga… me interessei. “Tem um fumo aí?”, indaguei. “Maconha? Não, cara, meu negócio é ópio”. “Opa, nunca experimentei”. “Me chama depois do show que a gente dá um tapa juntos”. Fiquei feliz com aquela intimidade construída por causa da afinidade por entorpecentes. “E aí, Mao? Me disseram que você desencanou da tal revolução. É verdade isso aí?”. “Pois é, cara, revolução agora só no rock’n roll. Meu negócio é anarquismo”. “Mas e o povo?”. “Quer alguma coisa mais careta que política? Meu negócio é subversão, e isso só o rock pode me dar”.
Mao Tse Tung subiu novamente ao palco, continuando a apresentação. Na saideira, viu que um morcego sobrevoava o show. Rodou o fio do microfone até atingi-lo. O espírito subversivo o dominou e, sob os gritos do público, deu uma abocanhada no animal, que, de imediato, retribuiu com outra mordida. Mao saiu de ambulância e não mais o vi, mas, anos depois, fiquei sabendo que a Revolução do Mao morreu… de raiva.