SEGREDO DA VOVÓ

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Quando ela saiu, vi o momento propício para explorar o enorme casarão repleto de coisas que, até então, eu desconhecia. Vovó era bem liberal, deixava os netos brincarem do que quisessem, correr pela casa, comer doces antes do almoço e tudo o que minha mãe proibia. A única exceção era mexer nas coisas dela, especialmente na gaveta da cômoda. Naquele dia, iniciei minha busca pelos desconhecidos objetos que imaginava ter lá. Trancada. Vovó era esperta. Confiava nos netos, mas calma lá… sabia que a curiosidade pueril por vezes extrapolava suas ordens. Como no dia em que havia mandado pintar a casa e ordenou que tomássemos cuidados com as paredes. Minhas primas e eu nem pensamos duas vezes, as escalamos apoiando um pé em cada uma até tocarmos o teto. Vale dizer que, antes da pintura, até ela se divertia com a gente nessa brincadeira, entretanto, após a tinta limpar todas as marcas, evidentemente que não permitiria que a estragássemos. Vovó nos pegou no flagra, se o vovô soubesse teria um ataque. Depois ela foi vendo nossa alegria, nossa conquista em chegar ao teto e, com um sorriso, se juntou a nós. Não deu cinco minutos e o vovô chegou. A bronca foi generalizada, inclusive nela, que depois de algumas horas conseguiu dobrar o velho. Ela era imbatível na arte de acalmá-lo. Mas, voltando à história da cômoda, eu não conseguia encontrar a chave de jeito nenhum. Procurei na gaveta do corredor, na bolsa em cima da cadeira, embaixo da santa e nada… nada, nada. Percebi, então, um pequeno quadro torto, perto do closet. Vovó sempre foi distraída, aquele tropeço poderia me dar a pista. Bingo! A chave estava lá, atrás da moldura. Não contive o sorriso, finalmente descobriria o segredo da vovó. Abri a gaveta com cuidado, não podia deixar rastros. Apesar de nunca a ter visto brava, não queria arriscar. Terços, terços e mais terços. Puxa, nada de interessante? Só terços? Vovó era bem católica, mas pra quê tanto terço? Numa caixa verde havia apetrechos de costura, na outra, menor, de cor preta, uma porção de broches e bijuterias. Vi cadernos de vários tipos e tamanhos, receitas de bolo, ilustrações de ioga, uma trena e, de repente… o segredo da vovó. Quase caí pra trás ao ler a capa do livro: “Sexo na terceira idade”. Meu Deus, nem dá pra pensar, meu avô e minha avó… affff. Será que abro?, pensei. Abri bem devagar… o que teria lá? Ué. Uma página em branco, e outra, e outra. Me pus a rir. Todas as páginas estavam em branco. Ufa! Fechei a gaveta e tranquei. Deixei exatamente como a encontrei.

Anos depois, já adulto, confessei meu pecado a vovó. Ela teve um ataque de riso. Disse que meu avô tinha ganhado o livro de um amigo a título de piada. Logo falei: “Puxa, vó, não sabe o susto que levei”. E ela retrucou: “Susto mesmo você ia levar se escrevesse minhas aventuras com seu avô”. Eu preferia ter ficado sem essa.

Pedro Fleury

“Retome o hábito da leitura. Contos impactantes. Textos com humor. Escrita de qualidade.”

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